Caubóis negros vão às ruas nos EUA e evocam sua história

No século 19, um em cada quatro caubóis era de ascendência afro-americana

PUBLICIDADE

Por Walter Thompson-Hernández
Atualização:

COMPTON, CALIFÓRNIA – Foi impossível não ver Brianna Noble quando ela apareceu pela primeira vez entre a multidão dos protestos nas ruas movimentadas de Oakland, Califórnia, no final de maio. Montando seu cavalo Dapper Dan, com uma placa Black Lives Matter pregada no lado direito da sela, ela atraiu todos os olhares dos manifestantes ao seu redor. Noble fundou uma organização de equitação juvenil chamada Mulatto Meadows, que oferece aulas de equitação para jovens negros.

Ela também foi a faísca que incendiou centenas de outras cowgirls e cowboys negros de todo o país para participar dos protestos em homenagem a George Floyd e contra a violência e o racismo da polícia. Alguns dias depois de a cavalgada de Noble viralizar, pelo menos trinta cowboys negros cavalgaram durante uma manifestação em Houston. Eles usavam camisetas com o rosto de Floyd. A maioria pertencia ao Nonstop Riders, um clube de trilhas urbanas de Houston.

A presença de cowboys e cowgirls negros nos protestos recentes é uma reivindicação do tipo tradicional de cavaleiros montados em manifestações em comunidades urbanas. Foto: Kayla Reefer/The New York Times

PUBLICIDADE

Em Compton, Califórnia, um grupo de negros e negras conhecidos como Compton Cowboys liderou um protesto pacífico pelas ruas da cidade, junto com a prefeita Aja Brown. Em meio às centenas de pessoas em marcha, os cowboys cavalgaram com os punhos levantados no ar, gritando “Sem justiça, sem paz”, enquanto a música de Kendrick Lamar, também de Compton, tocava ao fundo. Randy Hook, um dos Compton Cowboys, selou seu cavalo naquele dia por uma causa maior: “Nunca imaginei uma coisa assim. Estamos enchendo de orgulho a nossa família, a nossa comunidade, a nossa cidade”.

Keiara Wade, a única mulher do Compton Cowboys, expressou emoções semelhantes. “Esses cavalos sentem o que sentimos e agora estão sofrendo porque também estamos sofrendo”, disse Wade. “Há muito amor e união dentro da comunidade negra de caubóis. Estamos só tentando levar essa energia para os protestos de uma maneira pacífica”.

A presença de caubóis negros nos protestos recentes é um tipo de reivindicação do papel tradicional que cavaleiros montados representaram nas manifestações de comunidades urbanas. Historicamente, os cavalos têm sido usados pelas unidades militares de elite e pelas forças de segurança como uma maneira de demonstrar autoridade, empregando sua visibilidade, sua altura e sua natureza impositiva como um símbolo de poder.

Mas o fato de existirem cavaleiros negros nessas cidades metropolitanas não deve ser motivo de surpresa – no século 19, um em cada quatro caubóis era de ascendência afro-americana. Os Compton Cowboys cresceram dentro de um grupo de dez amigos que chegaram à maioridade nas décadas de 1980 e 1990 – uma das épocas mais violentas e caóticas da cidade. Eles aprenderam muitas coisas sobre os cavalos em Richland Farms, uma comunidade agrícola no coração de Compton.

Muitos deles falaram sobre o que significa ser um caubói negro numa das comunidades mais estigmatizadas do mundo e como os cavalos proporcionam redenção a traumas passados e segurança contra a violência policial. Cada membro do grupo descreve as interações com a polícia de maneira diferente. Os cavalos, dizem os caubóis, são uma forma de armadura contra um Departamento de Polícia que vem sendo criticado por sua violência excessiva desde os anos 1980. “O mundo nos trata de maneira diferente quando montamos nossos cavalos”, disse Anthony Harris, de 38 anos.

Publicidade

“Eu me sinto mais seguro e grato por ter meu cavalo num momento como este”. O lema dos Cowboys, “As ruas nos criaram, os cavalos nos salvaram”, tornou-se uma declaração de orgulho. Cavalgar, dizem os caubóis, é também uma cura contra o trauma, a ansiedade, a depressão e outros efeitos remanescentes de parte da violência que eles sofreram. Mas ser caubói negro também traz seus próprios desafios.

Muitos deles disseram que é bastante exaustivo enfrentar a discriminação de um circuito majoritariamente branco e combater estereótipos sociais sobre os afro-americanos. Antes desta semana, os caubóis negros haviam retornado à cultura popular com a explosão da música ‘Old Town Road’, de Lil Nas X, em 2018.

Eles também foram impulsionados por artistas texanos, como Megan Thee Stallion e Solange, que promovem a cultura caubói. Mas os caubóis negros sempre fizeram parte da experiência americana. Ao longo de todos os ataques discriminatórios e desigualdades estruturais – e, agora, diante da morte de Floyd – uma coisa permaneceu consistente: os caubóis negros nunca pararam de marchar. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.