Hainan: uma nova Hong Kong, sob total controle da China

O governo espera transformar a Ilha de Hainan num destino financeiro e de compras. Equiparar o local à antiga colônia britânica não será fácil

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Por Keith Bradsher
Atualização:

HAIKOU – Impostos menores. Zona franca. Praias. O Partido Comunista quer mesmo colocar as pessoas em iates. O desejo é transformar a província de Hainan, ilha do Mar da China Meridional num porto de livre comércio e num centro comercial internacional. A capital da província, Haikou, com 9,5 milhões de habitantes, vem oferecendo novos incentivos para transformar a região num destino para empresas globais, financistas e consumidores sofisticados.

A China já tem um lugar como este: Hong Kong, com 7,5 milhões de habitantes. Mas o futuro da antiga colônia britânica é duvidoso. Depois dos protestos pró-democracia no ano passado, o governo chinês subjugou Hong Kong com uma rígida lei de segurança nacional e a repressão dos dissidentes.

Um novo porto de contêineres foi construído na Ilha de Hainan, na costa sul da China. Foto: Keith Bradsher/The New York Times

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Mas há dúvidas quanto a se os eventos ocorridos não prejudicaram de maneira permanente o antigo baluarte da liberdade econômica. A transformação de Hainan seria um Plano B financeiro e corporativo. Mas criar uma cópia de Hong Kong não será fácil. Grande parte do sucesso da ilha decorre das suas políticas de não interferência, seu sistema judiciário independente, a movimentação de dinheiro sem entraves através das suas fronteiras e a livre troca de informação – todas estas liberdades que não existem na China continental.

Pequim tem se mostrado pouco inclinada a reduzir o seu controle de uma maneira que permita que Hainan concorra plenamente com Hong Kong. Além disto, a ilha não possui a mão de obra educada, com frequência cosmopolita, como existe em Hong Kong, que também está muito perto da província de Guangdong, o cinturão chinês da manufatura. Mas no campo das compras e de escritórios corporativos, Hainan começa a competir.

“Você não precisa de visto de entrada, é fácil se instalar lá e a situação da covid-19 pode se arrastar por meses ou alguns anos antes de as fronteiras de Hong Kong serem totalmente reabertas”, disse Jean-Pierre Cabestan, professor de ciências políticas na Baptist University.

“O que vem ocorrendo em Hainan está aumentando a marginalização de Hong Kong”, acrescentou. As autoridades chinesas afirmam que a ideia é Hainan se tornar um complemento de Hong Kong, não substituto. E de qualquer modo, transformar a ilha num meca de livre comércio não será fácil. Nos últimos anos, pelo menos 21 zonas francas foram introduzidas em locais como Tianjin, Xangai e outros.

Compradores fazem filas em lojas de grifes internacionais instaladas na ilha de Hainan. Foto: Keith Bradsher/The New York Times

A maior parte não avançou. Esforços específicos no caso de Hainan também já fracassaram no passado. As autoridades locais há anos buscam uma estratégia para desenvolver a província, que é mais conhecida na China pelos altos e baixos do setor imobiliário do que no campo das finanças ou das compras.

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Houve várias tentativas para abrir cassinos, mas a ideia sempre foi rechaçada pelo governo chinês. A nova campanha é diferente, dizem as autoridades. Em vez de atender importadores e exportadores elas anunciaram planos para atrair consumidores, pessoas ricas, e até quem pretenda realizar uma cirurgia plástica.

“O nível de abertura de Hainan é muito maior do que a zona franca do continente”, disse Xia Feng, professor da universidade local. E as comprar são uma grande parte disto. As novas regras permitem que qualquer pessoa do continente gaste US$ 15 mil ao ano em produtos sem pagar os impostos que são normalmente cobrados na China sobre importação, vendas e artigos de luxo.

O limite anterior era de apenas US$ 5 mil. Turistas como Xu Yang, 33 anos, de Qingdao, percorriam as lojas de Hainan em busca de marcas como Lancôme, SK-II, La Mer e Dior. Xu disse que o custo de uma base líquida da Estée Lauder é um terço menor na loja da zona franca em Haikou do que no continente. E valia a pena suportar a multidão de compradores, disse ela. O número de turistas saltou quase dois terços depois de a política ter mudado em 1º de julho.

“É uma loucura, a fila é enorme”. Marcas como Tiffany e Prada abriram lojas em Haikou recentemente para atender as consumidoras chinesas que não mais viajam para o exterior por causa da pandemia. “Comprar em Hainan é mais conveniente”, disse Mary Liu, de Pequim, que estava em busca das bolsas Coach. As autoridades tentam também superar as deficiências de Hainan em termos de capacidades.

Governo chinês quer mudar a cara da ilha de Hainan para atrair pessoas com dinheiro e boa formação. Foto: Keith Bradsher/The New York Times

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O governo central enviou para a província pessoas experientes que vêm supervisionando programas de desenvolvimento. O governador de Hainan, Shen Xiaoming, já foi diretor da zona franca de Xangai e ajudou a convencer a Tesla a instalar sua primeira montadora no exterior ali.

Para atrair trabalhadores especializados, o governo adquiriu todos os jardins de infância e do pré-primário da ilha, que passaram a ser públicos, dando preferência para matrículas de filhos de pais com formação superior que se mudarem para lá. “Haverá mais e mais pessoas de enorme talento no futuro”, previu Yu Lei, engenheiro de telecomunicações que se mudou para Haikou e acabara de matricular sua filha de três anos numa escola de jardim de infância. Além disto, os impostos foram reduzidos, uma forma de atrair ricos e empresas.

Os cortes em alguns casos chegam a 15%. Na China continental, os indivíduos com altos salários chegam a pagar 45% de imposto sobre a renda, ao passo que uma ampla faixa de empresas paga 25%. Alguns indivíduos abastados já criaram empresas na ilha para canalizarem parte dos pagamentos de salários para lá de modo que os que trabalham para eles paguem menos impostos. E empresas chinesas estudam estabelecer subsidiárias ali.

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“Eu convenci meus clientes a registrarem suas empresas em Hainan”, disse Kevin Shi, banqueiro em Shenzen. “Eles vêm estudando como podem tirar benefícios da medida e estão em discussões com o governo sobre o que podem fazer e o que podem obter”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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