WASHINGTON - Observando a inquietação política que explodiu em toda a América Latina no final do ano passado, funcionários do Departamento de Estado americano notaram um padrão semelhante nos protestos contra o governo, que em geral teriam pouco em comum.
No Chile, cerca de 10% de todos os tuites de apoio às manifestações, no fim de outubro, se originaram de contas no Twitter, segundo a agência, com certeza vinculadas à Rússia, afirmou. Na Bolívia, depois que o presidente Evo Morales renunciou no dia 10 de novembro, o número de tuítes relacionados a estes tipos de contas chegou a mais de mil por dia, em comparação com menos de cinco normalmente.
E no Equador, Peru, Bolívia, Colômbia e Chile, em um período de 30 dias, as contas relacionadas à Rússia postaram mensagens semelhantes a um intervalo de 90 minutos uma da outra. Os analistas concluíram que estaria em andamento uma campanha destinada a influenciar a opinião pública, a mais recente evidência de uma guerra de desinformação mundial, mais sorrateira e eficiente do que a propaganda tradicional do passado.
“Estamos notando uma campanha de manipulação”, disse Kevin O’Reilly, vice-secretário de Estado assistente, “que torna mais contenciosas e difíceis as normais soluções de disputas.” A iniciativa russa parece ter como finalidade provocar o dissenso em países que pediram a renúncia do presidente Nicolás Maduro na Venezuela, afirmam diplomatas.
Na Colômbia, centenas de milhares de manifestantes fizeram protestos em novembro contra as mudanças do sistema de aposentadorias, contra a corrupção e a violência crescente. Em dezembro, a vice-presidente da Colômbia, Marta Lucía Ramírez, acusou a Rússia e seus aliados na Venezuela de fomentar protestos por meio de campanhas nas redes sociais.
No Equador, a ministra do Interior, María Paula Romo, afirmou que uma campanha online contra o governo, realizada durante duas semanas de protestos, em outubro, por causa do aumento do preço do combustível, aparentemente se originou na Venezuela e na Rússia.
Com o apoio de mais de 50 outros países, Trump impôs, no ano passado, rigorosas sanções econômicas ao governo de Maduro na Venezuela. A coalizão apoia Juan Guaidó, o líder da oposição, que a maior parte da América Latina e o restante do Ocidente consideram o presidente legítimo.
Mas Maduro mantém o país sob o seu rigoroso controle, financiado por receitas perolíferas ilícitas, segundo afirmam os críticos da Rússia, e pelas vendas de ouro à Turquia. As campanhas manipuladoras online da Rússia na América Latina começaram a aparecer há uns dez anos. Em particular, as ramificações em língua espanhola de duas organizações de notícias da Rússia foram acusadas de espalhar a desinformação, teorias da conspiração e falsidades a fim de minar as políticas liberais democráticas.
Uma delas, a RT Español financiada pelo Estado, afirma que chega semanalmente a 18 milhões de pessoas em dez países da América Latina, e que tem mais de um bilhão de visualizações no YouTube. A outra, a Sputnik Mundo, administrada pelo governo, é produzida em parte em Montevidéu, no Uruguai.
As empresas têm sido a principal fonte de informação para contas de bots que visaram o movimento de Guaidó, afirmam especialistas. Bret Schafer da Alliance for Securing Democracy, uma iniciativa do Fundo Marshall Alemão dos Estados Unidos afirmou que algumas das contas do Twitter que espalham a desinformação na Venezuela poderiam estar ligadas à Internet Research Agency, a fábrica de bots russa dirigida por pessoas leais ao presidente Vladimir Putin.
As campanhas das contas do Twitter com vinculações russas na América do Sul “são elementos por procuração destinados a conseguir a influência dos Estados Unidos ou das democracias liberais”, disse Javier Lesava Esquiroz, um pesquisador visitante da Universidade Columbia em Nova York. “Em alguns casos, podemos dizer que esta é a continuação da Guerra Fria que nunca acabou”.
Um porta-voz da embaixada russa em Washington, Nikolay Lakhonin, não quis fazer comentários, pedindo apenas “provas reais” de uma campanha de desinformação relacionada à Rússia na América do Sul. No Chile, o presidente Sebastián Piñera está convencido de que atores estrangeiros contribuíram para incitar uma onda de protestos e atos de vandalismo que começaram em outubro, mergulhando o país em uma crise de um mês de duração.
Ele não culpou nenhum governo especificamente. Durante os protestos no Chile, o Departamento de Estado referiu-se a um número mais elevado de postagens de contas do Twitter relacionadas à Rússia. Uma das contas monitorada pelo Departamento de Estado - @FriendsofPutin - criticou a campanha de pressão do governo Trump contra o de Maduro na Venezuela em um tuite de 12 de dezembro. A mensagem foi retuitada por contas como @RussianHeroe e @Putintrump, disseram analistas.
O Departamento de Estado concluiu que as três contas muito provavelmente eram russas, agindo por procuração ou robôs e bots tentando amplificar sua mensagem sem serem identificados como fake. Ernesto Londoño contribuiu para a reportagem. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA.
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