Os diodos emissores de luz nos faróis dos veículos em sentido contrário se tornaram tão intensos para Shawn DeVries que ele se acostumou a fechar o olho esquerdo e manter o direito aberto enquanto dirige.
Isto foi em 2019. Desde então, o seu olho direito “dói tanto que, às vezes, gostaria de arrancá-lo”. Ele falou que passou a ter uma dor intermitente e uma sensibilidade à luz que afetou a sua vida social e os seus hábitos na direção.
DeVries, de Doon, em Iowa, disse que não sofre de diabetes e nem de hipertensão, o que poderia afetar a sua visão, nem se envolve em comportamentos de risco prejudicando os seus olhos.
“Não soldava sem o capacete”, falou. “Não olhava para o sol com binóculos”.
Os avanços da tecnologia da iluminação melhoraram a direção noturna para muitos motoristas, mas a recente utilização de luzes mais brilhantes, além disso instaladas mais no alto nas SUVs e caminhonetes deu origem a um grande número de críticas de que a luz dos faróis se tornou extremamente intensa.
“Se você não foi afetado, acabará sendo”, segundo De Vries falando dos faróis de LED. “Espere e verá. Você é o próximo. É só uma questão de tempo”.
A evolução da iluminação dá origem a queixas
DeVries não está imaginando coisas. Matt Kossoff, diretor executivo de produtos da The Retrofit Source, uma distribuidora de luzes para carros e caminhões de Atlanta, declarou que os faróis “se tornaram definitivamente mais brilhantes”.
“Faróis selados” foram usados dos anos 1950 até os 1980, e geralmente produziam pouca luz. As lâmpadas halógenas com filamentos de tungstênio e uma luminosidade melhor apareceram no final dos anos 1980 e início dos 1990.
As lâmpadas de descarga de alta intensidade, que espalham um brilho forte próximo do espectro da luz do dia, chegaram no final dos anos 1990 e início dos 2000. Nos anos 2010, os LEDs se tornaram populares por sua maior duração, econômicos em termos de energia, e são considerados como sexy e modernos pelos fabricantes.
Mas estes também suscitaram queixas de que a sua qualidade era relativa à quantidade. Há até um grupo no Facebook e uma petição on-line a favor da proibição dos faróis que cegam.
“O equilíbrio que sempre tentamos encontrar é: o que seria a atenuação e quais são as consequências desejadas?”, disse Eric Kennedy, professor adjunto de engenharia biomédica na Bucknell University de Lewisburg, Pensilvânia.
A tendência a melhorar a iluminação dos faróis é alimentada em parte pelos fabricantes que procuram classificações de segurança mais elevadas do Insurance Institute for Highway Safety, disse Kennedy.
Quando o instituto, um grupo de pesquisa independente sem fins lucrativos, divulgou as suas primeiras classificações em 2016, apenas um sistema de iluminação entre mais de 80 avaliadas recebeu a classificação “bom”. Em março, mais de 25% das testadas receberam esta nota, segundo o instituto.
As queixas sobre o brilho excessivo dos faróis não são uma novidade, e datam de pelo menos 20 anos atrás.
Em 2001, a Administração de Segurança do Trânsito nas Estradas Nacionais (NHTSA, na sigla em inglês) decidiu ouvir os comentários do público a respeito do brilho, e divulgou um relatório segundo o qual as 4 mil respostas recebidas superavam o número das recebidas pela NHTSA a respeito de outras preocupações no trânsito.”
Cerca de 30% dos respondentes disseram que, à noite, sentiam “desconforto” por causa do brilho excessivo dos faróis dos veículos em sentido contrário, ou de carros cujas luzes apareciam nos seus retrovisores. Segundo o relatório, a porcentagem é um “número “considerável” que “não pode ser ignorado”.
E tampouco foram somente motoristas mais velhos que se queixaram.
Segundo o relatório, 11% dos que classificaram o brilho em sentido contrário como incômodo tinham mais de 65 anos, e 45% tinham entre 35 e 54 anos. Os motoristas entre os 18 e os 24 anos queixaram-se mais do brilho dos veículos atrás deles.
A densidade, a cor e a posição fazem diferença
As luzes ficaram mais baixas com o tempo, e “qualquer intensidade parece mais brilhante quando é emitida por uma superfície menor aparente em comparação com uma maior”, disse Daniel Stern, editor chefe da revista técnica Driving Vision News, que cobre a indústria da iluminação automotiva.
“Grandes caminhonetes e SUVs, e carros menores são simultaneamente populares”, acrescentou. “Os olhos no carro baixo serão castigados toda vez pelas lâmpadas montadas no alto da SUV ou do caminhão”. (Quase metade dos 280 milhões de veículos de passageiros registrados nos Estados Unidos são SUVs ou caminhonetes.)
Os faróis LED e de descarga de alta intensidade podem parecer mais azuis em seu espectro de produção do que os halógenos, e muitas vezes provocam “reações de desconforto significativamente mais fortes” do que a luz branca quente ou as luzes amarelas, disse Stern.
“A luz azul é difícil de processar para o sistema visual humano porque os comprimentos de onda azuis tendem a focalizar somente na frente da retina e não nela”, explicou.
“'Brilho' não é um termo geralmente reconhecido pelos cientistas e pesquisadores, que preferem lúmen, ou a produção de luz. As luzes halógenas produzem de 1.000 a 1.500 lúmens, enquanto as luzes de descarga de alta intensidade e as LED podem medir de 3.000 a 4.000 lúmens.
“É na concentração que precisamos prestar atenção”, disse M. Nisa Khan, presidente da IEM LED Lighting Technologies, uma companhia de pesquisa e engenharia sediada em Red Bank, Nova Jersey.
“O que importa é o que cai no seu globo ocular”, ela disse. “A densidade do lúmen quando realmente agrega e aumenta muito, é o que faz com que os nossos olhos comecem a se queixar”.
Stern disse que outros importantes fatores do problema são a orientação dos faróis, que recebe pouca atenção, mas é “muito mais importante do que a tecnologia dos faróis ou quanta luz eles produzem”, e a disponibilidade geral de lâmpadas LED e de kits de descarga de alta intensidade no mercado de reposição.
Quais as soluções?
David Aylor, gerente de testes de segurança ativa do Insurance Institute for Highway Safety, disse que a tecnologia conhecida como assistente de faróis altos diminui automaticamente os feixes de luz quando percebe um carro se aproximando.
A caraterística, que foi introduzida há cerca de cinco anos, está se tornando mais facilmente disponível. Ainda não se sabe ao certo se ela reduziu as queixas sobre os faróis de brilho intenso, disse Aylor.
A função de iluminação adaptável, outra tecnologia, é amplamente usada na Europa, mas ainda não foi legalizada na América do Norte.
Kossoff, da The Retrofit Source, especializada na área, a descreveu como “muito no estilo de James Bond” e “muito legal”. Funciona com sensores que podem detectar o trânsito em sentido contrário e ajustar o padrão do raio projetado a fim de proporcionar luz suficiente para o motorista sem cegar os outros.
A National Highway Traffic Safety Administration informou que trabalha na finalização das normas que permitem o uso da tecnologia da iluminação adaptável nos Estados Unidos, mas não se sabe quanto tempo poderá levar. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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