Enfim aberto, Forum Humboldt apresenta mostra de artefatos de marfim

Os curadores esperam que a exposição inaugural de artefatos de presas de animais mostre que a instituição leva a sério sua bagagem colonial

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Por Thomas Rogers
Atualização:

BERLIM – Durante quase 20 anos, Werner Kohl acompanhou a saga do Humboldt Forum. Como muitos alemães desde 2002, vinha acompanhando e ouvindo falar a respeito de um projeto aprovado pelo governo de uma enorme nova atração cultural em Berlim. E foram quase duas décadas de debates, protestos, excesso de gastos e atrasos.

Assim, em julho, quando finalmente se encontrou nos espaços de exposição do edifício, ficou emocionado.

Novo museu alemão inaugurou com uma mostra de artefatos em marfim que chegam a ter 40 mil anos. Foto: Felix Brüggemann/The New York Times

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“Vinha esperando por esse dia desde o início. Estou aqui para ver se realmente concretizou o que se propôs”, disse ele.

Kohl, 63 anos, ali estava para ver a exposição temporária Terrible Beauty, de artefatos de marfim que abrangem 40 mil anos. Essa foi uma das seis mostras inaugurais no Forum, que reúne coleções de vários museus num palácio barroco reconstruído.

Localizado na área do antigo Parlamento Alemão Oriental demolido e projetado para ser um equivalente do Louvre, o Humboldt Forum deveria ser inaugurado em 2019, mas a construção teve atrasos. E agora abrirá em fases durante os próximos dois anos.

Além da mostra de marfins, o museu traz uma exposição chamada Berlim Global, sobre a relação da cidade com o mundo: um trabalho conceitual explorando a vida humana após a mudança climática; e espaços dedicados à história do local.

Artefatos de marfim esculpidos no início do século 20 por um artesão de marfim parisiense. Foto: Felix Brüggemann/The New York Times

A seção mais discutida ainda será inaugurada: andares contendo milhares de artefatos etnológicos de uma variedade de culturas, incluindo um espetacular trono africano e imensos botes de madeira do Sul do Pacífico, muitos deles adquiridos durante a fase expansionista imperial da Alemanha. Ativistas anticolonialistas afirmam que o Humboldt Forum não foi longe o bastante na investigação da origem dos objetos.

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Com base num acordo negociado esse ano, grande parte da coleção Benin Bronzes de Berlim, que seria exibida no edifício, deve retornar à Nigéria no próximo ano. Mas o processo de decidir o que o Forum deve fazer com peças com histórias mais ambíguas provavelmente será uma tarefa mais conturbada. Em julho, um grupo de manifestantes se reuniu na frente do prédio, entoando slogans como “parem de financiar o Humboldt Forum”.

A inauguração foi a primeira oportunidade de os curadores apresentarem para um grande público o que afirmam ser uma maneira progressista e inclusiva de mostrar artefatos associados aos tempos coloniais.

Embora o Humboldt Forum tenha realizado sua cerimônia oficial de abertura online em dezembro, as restrições impostas por causa da pandemia o forçaram a ficar fechado para o público até agora. Algumas pessoas disseram que o fechamento prolongado foi vantajoso, dando aos administradores mais tempo para resolver parte dos problemas técnicos do prédio que custou US$ 825 milhões.

Em maio, o jornal Süddeutsche Zeitung citou um memorando confidencial do chefe da construção do projeto, Hans-Dieter Hegner, em que ele afirmou que os sistemas de ar-condicionado e alarmes do edifício ainda “estão num péssimo estado” e que os defeitos persistentes continuavam “colocando em risco os artefatos culturais que haviam sido instalados”.

'Battle With a Dragon', de um escultor de marfim anônimo do século 17. Foto: Felix Brüggemann/The New York Times

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Em uma entrevista, o diretor do museu, Hartmut Dorgerloh, disse estar ciente da fragilidade de algumas das peças de marfim, que exigem um monitoramento cuidadoso de temperatura, umidade e luz e podem rachar se as condições mudarem muito rápido. “É necessária muita atenção do ponto de vista da conservação. Estamos expondo peças que datam de 40 mil anos em Berlim pela primeira vez num edifício que tem menos de 10 anos”.

Mas ele enfatizou que o sistema de controle climático na área onde as peças estão expostas é totalmente funcional e que nenhum item corre risco. “O clima nesta área é bastante estável”, afirmou.

Dorgerloh disse que a mostra é uma maneira apropriada de inaugurar o museu para o público porque reflete seu objetivo de “criar um espaço em que podemos compartilhar experiências”, em vez de apenas retratar culturas.

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Exposições com obras de países africanos levaram ao questionamento por ativistas anticolonialismo. Foto: Felix Brüggemann/The New York Times

Com uma exposição de cerca de 200 itens, incluindo inúmeras peças espetaculares de joalheria, esculturas decoradas e um dos instrumentos musicais preservados mais antigos do mundo, uma flauta de marfim, a exposição foi organizada em colaboração com os Museus Nacionais do Quênia, entre outros. O espaço foi pintado de vermelho e entremeado de alto-falantes que emitem o som do suspiro de um elefante morrendo. Junto com os objetos de marfim, a exposição tem peças mostrando a exploração e os maus-tratos dos tempos coloniais e monitores de vídeo exibem entrevistas com pessoas cujas vidas foram afetadas pelo contrabando de marfim, incluindo uma com um guarda-florestal queniano e um guia de safaris.

Alberto Saviello, um dos três curadores, disse que sua equipe achou importante incluir vozes dos países de origem das peças e que sentiu a responsabilidade de relatar a história dos objetos, “que com frequência tem a ver com injustiça e violência”.

Ele explicou que embora nenhuma das instituições que emprestaram os objetos – incluindo o Metropolitan Museum of Art em Nova York e o Victoria and Albert Museum, de Londres, tenha manifestado preocupação com problemas envolvendo o controle climático do espaço de exposição, alguns manifestaram reservas quanto ao tom crítico da mostra. “Não estamos fazendo isso num contexto estético clássico que enfatiza a beleza das obras”, afirmou. “Havia preocupações de que o que estávamos dizendo é ‘se você expõe marfim em qualquer lugar, isso é um crime’”.

Mas finalmente os curadores convenceram os responsáveis pelos museus que emprestaram as peças da importância pedagógica da exposição.

Nika Goloma, 48 anos, achou que o conceito da mostra foi bem escolhido. "Tantas pessoas têm falado sobre a bagagem colonial do Fórum", disse ela, "e isso mostra que, desde o início, eles não têm medo de mostrá-lo e dizer, 'Vejam isso'". "Acho que não tinham outra alternativa"./ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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