PUBLICIDADE

Galleria degli Uffizi, reduto da tradição, evolui (aos poucos) com o tempo

Museu também está tentando ultrapassar os limites de sua história branca, masculina e eurocêntrica

Por Robin Pogrebin
Atualização:

FLORENÇA, Itália – Ao passar pelas obras de Botticelli, Rafael e Michelangelo na Galleria degli Uffizi (Galeria dos Ofícios, em português), é compreensível que qualquer um se surpreenda ao ver os autorretratos da artista etíope Tesfaye Urgessa e da japonesa Yayoi Kusama.

Numa época em que museus no mundo inteiro estudam como contar uma história mais inclusiva da arte, a Galleria degli Uffizi tem demorado a recuperar o tempo perdido, prejudicada por seu legado como um dos principais museus clássicos da Europa e por turistas que esperam ver algumas das obras mais famosas da história.

Uma representação da Medusa por Caravaggio é ladeada por “Medusa Negra” e “Medusa Branca”, ambas de Koen Vanmechelen. Foto: Clara Vannucci/The New York Times

PUBLICIDADE

Mas, desde que se tornou diretor em 2015, Eike Schmidt vem aos poucos tentando integrar mais a arte contemporânea, aumentar a presença de artistas mulheres e de diversas etnias e atingir um público mais jovem e diversificado. "Na Uffizi, houve poucas exposições de arte contemporânea, porque esta sempre foi vista como uma intrusão nestes salões sagrados. Para mim, tem sido muito importante tirar a poeira e mostrar o que é relevante", disse ele em uma entrevista recente concedida no museu.

Outros museus de Florença estão empenhados em esforços semelhantes para ampliar seu alcance, sobrepondo o antigo ao novo e olhando para as obras de arte históricas através de uma lente moderna, promovendo assim o diálogo entre gêneros e épocas. O Palazzo Strozzi acaba de encerrar uma exposição de Jeff Koons e o Museo Novecento, dedicado a obras mais novas, está atualmente expondo obras da pintora britânica Jenny Saville.

Mudar a percepção do público sobre a arte em Florença não tem sido fácil, afirmou Arturo Galansino, diretor do Palácio Strozzi. "A maioria das pessoas prefere ver arte contemporânea. Na Itália, é o contrário. As pessoas preferem o passado ao presente."

Segundo Galansino, isso começou a mudar em 2015, quando a escultura de aço dourado de Koons "Plutão e Prosérpina" foi instalada bem no centro do Palazzo Vecchio, o prédio medieval onde funciona a prefeitura de Florença, entre cópias de obras-primas de Donatello e Michelangelo, como parte da Feira Internacional de Antiguidades da Bienal de Florença. "Foi um momento simbólico."

Koons comentou que se sentiu acolhido pelos florentinos e que a cidade é um lugar ideal, "onde você está mergulhado no Renascimento, mas também pode dialogar com a arte contemporânea. Esse é o papel da arte: fazer conexões entre nossa situação e as demais, mostrando como tudo está entrelaçado".

Publicidade

A Galleria degli Uffizi inaugurou recentemente uma exposição de um desses artistas vivos, Koen Vanmechelen, artista belga multidisciplinar que se concentra na relação entre a natureza e a cultura. A mostra, "Seduzione" (Sedução), que vai até 20 de março, traz 30 obras de arte, incluindo enormes iguanas com chifres, um tigre vermelho agachado e uma Medusa reimaginada com animais de bico aberto e dentes afiados na cabeça, todas criadas expressamente para seus salões sagrados.

O museu também apresentou recentemente mostras de artistas vivos como o escultor britânico Antony Gormley; Giuseppe Penone, um dos grandes nomes da arte povera; e Urgessa, cujo trabalho se concentra na crítica social, na raça e na política de identidade.

Embora se sentisse deslocada na Uffizi no início – principalmente por causa da preponderância da arte baseada em temas bíblicos –, Urgessa disse em uma entrevista por telefone que foi bem recebida pelos visitantes e que a instituição parecia estar deixando de ser "algo do passado, como as pirâmides. Hoje em dia as pessoas querem ouvir uma nova história, uma história relacionada à sua vida".

Schmidt afirmou estar empenhado em dedicar pelo menos duas exposições por ano a artistas mulheres. Em fevereiro passado, por exemplo, o museu apresentou "Lo Sfregio" (A cicatriz), mostra que se posicionou contra a violência à mulher ao apresentar o busto desfigurado de Costanza Piccolomini Bonarelli de Gian Lorenzo Bernini ao lado da exposição fotográfica de Ilaria Sagaria "A Dor Não É um Privilégio", que retrata vítimas de ataques com ácido.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Com essas exposições, a Galleria degli Uffizi também está tentando ultrapassar os limites de sua história branca, masculina e eurocêntrica. Com "On Being Present" em 2020, o museu explorou a identidade negra em pinturas, como o sábio em "Adoração dos Magos", de Dürer, e os retratos de reis etíopes em sua Série Giovio. No mesmo ano, apresentou uma exposição sobre a mulher, o poder e a emancipação na Roma antiga.

Para Lisa Marie Browne, diretora executiva da organização sem fins lucrativos Amigos da Galleria degli Uffizi, "em uma mudança dramática do padrão, Schmidt elevou a Galeria de um museu renascentista para um renascimento em 2022".

A Galleria degli Uffizi está se expandindo com aquisições, tendo adicionado à sua coleção uma obra doada pelo artista de rua Endless e 52 autorretratos de cartunistas italianos. Visando atingir "o maior número de pessoas possível", Schmidt declarou em um comunicado na época: "Estou convencido de que isso trará grandes resultados e será o precursor de muitos outros 'crossovers'."

Publicidade

Ao redefinir o que constitui o território da Uffizi, o museu afrouxou o cinto em seus esforços de divulgação, processo acelerado pela pandemia. Deu início ao programa Uffizi Diffusi, que envia obras que estavam armazenadas para vários lugares da região da Toscana em uma série de apresentações organizadas tematicamente.

Embora não tivesse um site até 2015 – Schmidt observou que o museu estava "na Idade da Pedra" –, a Galleria degli Uffizi se tornou um fenômeno improvável de mídia social, com quase 700 mil seguidores no Instagram; mais de cem mil no TikTok e quase 128 mil no Facebook. O museu lançou também há pouco um programa de culinária no YouTube chamado "Uffizi da Mangiare" (Ufizzi para comer), que apresenta chefs fazendo pratos inspirados nas obras da coleção. Schmidt disse que está notando bons resultados: segundo ele, os visitantes entre 19 e 25 anos "mais do que dobraram" no ano anterior a 2020.

Da mesma forma, Galansino comentou que, ao expor artistas contemporâneos – como Ai Weiwei e Olafur Eliasson –, seu museu atraiu um novo público, do qual mais de 30% têm menos de 30 anos.

Diante dos esforços de museus como o Strozzi e a Galleria degli Uffizi, bem como da localização conveniente de Florença entre os centros cosmopolitas de Roma e Milão, Galansino se mostrou convencido de que Florença pode se tornar "uma cidade de arte contemporânea": "Acho que convencemos o público de que a arte contemporânea é tão importante quanto os velhos mestres. As pessoas não vêm mais Florença como um lugar vivo, mas ainda é um lugar vivo. Não vive só no passado."

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.