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Grã-Bretanha terá de jogar as regras da Europa para ter acesso a mercados

Diretrizes seguidas pelo primeiro-ministro Boris Johnson podem isolar um vasto mercado para suas exportações

Por Peter S. Goodman
Atualização:

ROWLEY LEGIS, INGLATERRA – A Cube Precision, uma fábrica no interior da Inglaterra, prevê dias promissores. A companhia produz ferramentas para peças de aviões e automóveis. Algumas destas peças se tornam componentes de jatos da Airbus, e a companhia está sobrecarregada de encomendas enquanto o escândalo referente à segurança afunda a Boeing, sua concorrente.

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Companhias que contratavam fábricas chinesas para a produção de suas ferramentas decidiram transferir os pedidos para a Cube Precision a fim de evitar o caos da epidemia do coronavírus. Mas o Brexit, que se tornou oficial em janeiro, ameaça interromper a produção com a possibilidade de comprometer o faturamento, além de apresentar riscos para as empresas que dependem da Europa.

O primeiro-ministro Boris Johnson e o seu Partido Conservador reafirmaram o direito de divergir das normas europeias que dizem respeito a várias preocupações na área comercial - desde o acesso à pesca e a regulamentação financeira à segurança dos produtos, à mão de obra e às normas ambientais.

Se a Grã-Bretanha permanecer em sua intenção de elaborar as próprias normas, suas fábricas poderão perder as encomendas de companhias europeias. Estas companhias poderão transferir seus pedidos para fornecedoras do Continente a fim de garantir que os seus produtos obedeçam às normas europeias.

“Na pior das hipóteses, haverá muitos problemas”, afirmou Neil Clifton, diretor gerente da Cube Precision. Ele disse que confia em que os políticos acabarão chegando a um acordo. “Os dois lados teriam muito mais a perder,” acrescentou. Enquanto a Grã-Bretanha era parte da União Europeia, suas companhias podiam fazer negócios com suas equivalentes da Grécia à Irlanda como se este vasto território com 500 milhões de pessoas fosse uma só nação, isenta de fronteiras, tarifas e controles aduaneiros.

Oito em cada dez automóveis de fabricação britânica destinam-se à exportação, segundo um grupo do setor. Automóveis prontos para serem despachados em Bristol, Inglaterra. Foto: Andrew Testa - New York Times

A Grã-Bretanha exporta cerca de 50% dos seus produtos para a Europa, e muitos estudos afirmam que o Brexit provocará uma desaceleração do seu crescimento econômico. Johnson e os seus funcionários de alto escalão acreditam que poderão ignorar as regras europeias e ainda preservar em grande parte o acesso ao mercado europeu. Segundo seus colegas em Bruxelas, isto é absurdo. “As escolhas verdadeiramente difíceis ainda estão por vir”, segundo Phil Hogan, comissário europeu do Comércio.

“Quanto mais a Grã-Bretanha optar por divergir dos padrões, das normas e regulamentações europeus, menos poderá beneficiar-se das proteções e do vigor econômico do mercado único europeu”. O que Johnson tem em mente é um acordo que evite tarifas e cotas de produtos, semelhante ao concluído pela Europa com o Canadá, em 2016.

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Esse acordo levou sete anos para se concretizar. Se as conversações não chegarem a um resultado positivo, diz Johnson, a Grã-Bretanha poderá comercializar segundo as condições estipuladas pela Organização Mundial do Comércio. O que acarretaria tarifas sobre as exportações britânicas para o continente de em média 3%.

Mas os especialistas em matéria de comércio afirmam que se a Grã-Bretanha sair do bloco europeu sem um acordo, isto resultará em uma situação caótica nos portos, com custos muito altos. A indústria automotiva gera uma receita anual de 82 bilhões de libras (US$ 107 bilhões aproximadamente) e emprega cerca de 80 mil pessoas, segundo a Deloitte, uma empresa de consultoria empresarial global.

Cerca de 60% das autopeças produzidas nas fábricas britânicas são exportadas para a Europa, enquanto as do continente fabricam 80% das autopeças importadas na Grã-Bretanha. Oito de cada dez automóveis fabricados na Grã-Bretanha são exportados, segundo a Associação Europeia de Fabricantes de automóveis, um organismo setorial.

Em uma fábrica em Schrewsbury, a SDE Technology opera prensas que transformam o metal nas peças desejadas, auferindo 70% de seu faturamento da fabricação de autopeças. Uma peça apenas, destinada a uma fornecedora da BMW na Alemanha gera uma receita anual de cerca de 500 mil libras (US$ 651 mil aproximadamente), ou 4% das vendas da SDE.

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“Se forem cobradas tarifas, isto afetará o seu produto”, disse Christopher Greenough, diretor comercial da empresa. No entanto, ele e o diretor executivo da companhia, Richard Homden, invocam a tradicional justificativa do Brexit. “Daqui em diante, seguiremos o nosso próprio destino”, afirmou Homden.

“Não deveremos olhar para a Europa para estabelecer as nossas normas”. Quando pressionados a dar um exemplo de uma norma europeia que comprometa os seus negócios, nenhum dos dois foi capaz de apontar uma. Em Telford, a Advanced Chemical Etching faz componentes de metal para automóveis, jatos, drones, satélites e equipamentos médico-hospitalares, e muitas destas mercadorias se destinam à Europa. Janeiro foi o melhor mês para a companhia, disse o diretor executivo Chris Ball.

As vendas cresceram mais de 40% em relação ao ano anterior. Ele espera que os políticos não ponham em risco estes ganhos. “Condições comerciais semelhantes às atuais “, acrescentou, "seriam o ideal”. Geneva Abdul contribuiu para a reportagem. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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