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Harry Styles e os homens da música pop que desconstroem suas masculinidades

Em 2022, estrelas como Styles, Jack Harlow e Bad Bunny trouxeram abordagens progressistas sobre gênero, mas também correram o risco de dissimulação. Será que está tudo bem com os homens?

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Por Lindsay Zoladz

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em abril, durante seu show no Coachella, o príncipe pop Harry Styles chamou ao palco uma convidada surpresa, Shania Twain, para cantar um dueto provocativo: Man, I Feel Like a Woman.

Vestido com um macacão de lantejoulas prateado e decotado, Styles desfilou, rodopiou e cantou os versos do hino atrevido. “Esta mulher me ensinou a cantar”, disse ele à multidão barulhenta de mais de 100 mil pessoas quando a música acabou. “Ela também me ensinou que os homens são um lixo”.

Harry Styles durante show em Londres. Foto: Steve Marcus/Reuters

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A performance foi divertida, gerou manchetes e pareceu relativamente radical: é difícil imaginar Justin Timberlake, o antecessor da geração de Styles (ou mesmo Justin Bieber, o sucessor de Timberlake) jogando tão rápido e solto com os papéis de gênero. Isso ocorre parcialmente porque os Justins abraçaram o hip-hop e o R&B – gêneros em que essa experimentação costuma ser menos bem-vinda – mais diretamente do que Styles jamais tentou. Mas também porque estão evoluindo as forças culturais que moldam as normas e expectativas do que um popstar pode e deve ser.

Se o ano de 2022 na música foi dominado por um punhado de potências femininas (principalmente pela odisseia vastamente elogiada de Beyoncé na pista de dança, Renaissance, e, mais comercialmente, pelo rolo compressor temperamental de Taylor Swift, Midnights), as principais estrelas pop masculinas – Styles, Bad Bunny e Jack Harlow – alcançaram sucesso oferecendo questionamentos refrescantes e subversivos à masculinidade da velha guarda.

Styles e Harlow parecem astutamente conscientes de como se posicionar como galãs neste momento cultural em que ser homem – sobretudo homem branco e hétero – pode parecer um campo minado de possíveis erros, ofensas e extensos privilégios. Bad Bunny, ainda mais subversivamente, rasgou a cartilha da estrela pop de língua inglesa e ofereceu uma visão mais expansiva de gênero e sexualidade.

Bad Bunny, a superestrela porto-riquenha cujo sucesso de verão Un Verano Sin Ti passou mais semanas no topo da parada da Billboard do que qualquer outro álbum este ano, rejeitou alegremente os limites do machismo. Em vez disso, abraçou a moda de gênero fluido, criticou a agressão masculina em suas músicas e vídeos e até beijou um de seus dançarinos durante uma apresentação no MTV Video Music Awards de 2022 – decisões que carregam peso extra considerando que sua estética tem raízes no reggaeton, gênero fundado na heteronormatividade.

Cantor Bad Bunny durante show em Bogotá, na Colômbia.  Foto: Carlos Ortega/EFE

Styles também conquistou fãs e admiradores ao tratar sua performance de gênero como uma espécie de playground, usando um vestido na capa da Vogue, recusando-se a rotular sua sexualidade e invertendo o roteiro tradicional homem mais velho/musa mais jovem com seu relacionamento com Olivia Wilde, diretora de Não se preocupe, querida, que é dez anos mais velha. Nada disso foi ruim para os negócios: As It Was foi o número 1 da Billboard por mais tempo no ano e, globalmente, a música mais reproduzida do Spotify em 2022.

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Mas a linha entre aliados e dissimulados está ficando cada vez mais tênue, algo que os fãs não têm vergonha de criticar online. Styles e Bad Bunny foram acusados do “crime contemporâneo” de queerbaiting, ou seja, cultivar uma falsa mística em torno da sexualidade para atrair uma base de fãs LGBTQ. Enfatizar a heterossexualidade e os estereótipos de macho alfa, no entanto, traz seus próprios riscos, especialmente em um momento pós-MeToo. O que os homens devem fazer?

Harlow, rapper de 24 anos nascido em Kentucky, passou 2022 tentando responder a essa pergunta. Rapper tecnicamente hábil com um carisma fácil e uma cabeça de cachos à la Shirley Temple, Harlow é conhecido por fazer escolhas artísticas que destacam suas habilidades e transmitem sua seriedade como MC. Ele também cultivou uma persona com uma queda irreprimível por mulheres negras. Teve seu momento com Saweetie no tapete vermelho do BET Awards, apareceu repetidas vezes nas transmissões ao vivo de Doja Cat no Instagram e até parodiou sua reputação durante o Saturday Night Live, quando se apresentou numa esquete que o imaginava seduzindo Whoopi Goldberg no set de um talk-show.

A música de Harlow também cultiva ativamente as ouvintes femininas. Como ele explicou numa entrevista ao New York Times este ano, “Sempre penso que estou no carro e a garota de quem gosto está no banco do passageiro e eu tenho que tocar uma música. Será que eu ficaria orgulhoso de tocar a música?”

Rapper Jack Harlow no BET Awards de 2021. Foto: Ringo Chiu/Reuters

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Em certo sentido, é um progresso. Basta lembrar que o sucesso inicial de Timberlake tinha a ver com a difamação excessiva de sua ex Britney Spears. Ou que uma performance que simulava uma espécie de domínio hiperheterossexual sobre Janet Jackson praticamente não teve efeito sobre a carreira dele, mas quase acabou com a dela. A colaboração de Harlow e o apoio público ao pop star gay Lil Nas X e até mesmo sua bajulação a colegas do sexo feminino estão a mundos de distância de seu antecessor Eminem, que encontrou uma posição complexa como homem branco dentro de um gênero predominantemente negro atacando mulheres e pessoas queer. A misoginia e a homofobia não são mais boas para os negócios – graças aos céus.

É difícil imaginar esses homens cometendo os mesmos erros de seus antepassados, e o zelo excessivo é, em certo sentido, bem-vindo, dada a alternativa. (Bad Bunny assumiu riscos ainda mais ousados, como criticar veementemente o governo porto-riquenho em resposta aos apagões em toda a ilha).

Mas mesmo um privilégio exercido com responsabilidade ainda é, no final das contas, um privilégio. E a música de Styles e Harlow muitas vezes revela isso por sua relativa leveza, seu senso de existência em um espaço livre de grandes preocupações existenciais. As canções de Styles, em particular, parecem esvaziadas de qualquer introspecção: a maioria das faixas de Harry’s House passa feito nuvens brancas. O foco da música de Harlow oscila entre garotas e ego, com poucos gestos em relação às declarações políticas mais arriscadas que ele fez nos tapetes vermelhos (condenando a homofobia) e nas redes sociais (participando de protestos por justiça para Breonna Taylor). O fato de não se ver como parte de um problema maior também é um sintoma de privilégio. Mesmo que esteja usando lantejoulas, o homem que declara que “os homens são um lixo” está só dizendo “nem todo homem” de um jeito mais sutil. E o que dizer do cara que está falando isso? / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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