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Julgamento de El Chapo coloca política de combate às drogas sob questionamento

Se ela continuar, em mais 25 anos provavelmente estaremos caçando um novo chefão

Por Ioan Grillo
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO - Uma foto icônica de 1993 mostra policiais colombianos sorrindo curvados sobre o corpo crivado de balas de Pablo Escobar, que, segundo a revista “Forbes”, era o narcotraficante mais rico do planeta. A fotografia foi tirada por Steve Murphy, um agente da Administração Americana de Combateàs Drogas, que ajudou a encontrar o paradeiro do chefão acusado de fomentar assassinatos em massa em sua pátria. “O fim (de Escobar) deveria servir de exemplo para outros que se dedicam ao tráfico da morte e da miséria”, afirmou o czar da droga Lee Brown, entre as comemorações ocorridas em Bogotá e em Washington.

O processo a Joaquín Guzmán Loera chamará a atenção do mundo não apenas para os seus negócios, mas também para os fracassos da Agência Americana de Controle das Drogas Foto: Eduardo Verdugo/Associated Press

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Vinte e cinco anos mais tarde, um novo supervilão, Joaquin Guzmán Loera, conhecido como El Chapo, está em uma sala de tribunal na cidade de Nova York, acusado de ter comandado o tráfico de heroína, cocaína, maconha e cristais de metanfetamina para o mercado americano que lhe permitiu amealhar 14 bilhões de dólares ao longo de duas décadas e meia. A ignomínia de Guzmán e suas fugas de duas prisões de segurança máxima no México, o colocam ao lado de Escobar e até mesmo do mafioso contrabandista Al Capone como os mais notórios traficantes dos tempos modernos.

Nos anos entre a morte de Escobar e o processo de Guzmán, que começou no dia 13 de novembro, a guerra às drogas avançou, ainda que aos tropeços. No que se refere à prisão de chefões e à destruição de montanhas dos seus narcóticos, o sucesso foi espantoso. Quanto à redução do número de americanos mortos por overdose ou latino-americanos assassinados por causa dos lucros do contrabando, foi decididamente um fracasso.

A Aliança para uma Política das Drogas calcula que a luta contra o comércio ilegal de narcóticos custa aos contribuintes dos Estados Unidos 58 bilhões de dólares ao ano. Mas o ano de 2017 assinalou um recorde de 15.900 mortes por overdose de heroína, e o aumento das causadas por cocaína, metanfetaminas e fentanyl. No México, acredita-se que a batalha travada em várias frentes tenha tirado a vida de mais de 119 mil pessoas em dez anos. O que pode ser comparado com alguns dos piores conflitos armados que ocorrem ao redor do mundo, e à desestabilização de inteiras regiões do país.

A maioria dos chefões da droga extraditados para os Estados Unidos fez algum tipo de acordo. Mas Guzmán se declarou inocente, obrigando os promotores a montar um processo que deverá durar meses. 

Eles prometem que convocarão testemunhas, incluindo os seus colegas traficantes, para que descrevam as maneiras engenhosas que ele usava para contrabandear drogas - por exemplo, em latas de pimenta jalapeño - o suborno pago à polícia mexicana em todos os níveis, e digam que ele foi o mandante de brutais assassinatos dos seus inimigos.

Eduardo Balarezo, um dos advogados de defesa de Guzmán, disse que impugnará as testemunhas e chamará a atenção para qualquer acordo que elas possam ter feito para o seu depoimento, e ainda questionará as táticas dos agentes da DEA (Órgão de Combate às Drogas). No passado, estes agentes foram criticados pelo uso de informantes discutíveis, ligados aos traficantes.

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Os promotores poderão provar que Guzmán é culpado de crimes horrendos. Mas por outro lado, poderão chamar a atenção para dezenas de anos de fracassos no que se refere a estancar o fluxo da droga e o derramamento de sangue, e também para as táticas da DEA e a ajuda às forças de segurança mexicanas que sofrem com a corrupção. Enquanto o mundo olha, será difícil não indagar se o caso de Guzmán servirá de fato para processar a própria guerra às drogas.

Isto sem falar que Guzmán não merece passar a vida na prisão se o júri o considerar culpado. 

Cobrindo a violência dos cartéis no México desde 2001, vi centenas de corpos ensanguentados e ouvi a angústia de inúmeros dos seus entes queridos, o que permite avaliar o imenso custo humano. Por outro lado, os agentes da DEA arriscam suas vidas tentando deter esta ameaça.

Mas mesmo que Guzmám seja condenado a uma prisão de segurança máxima, isto não salvará as famílias de ambos os lados da fronteira de mais overdoses e mais violência por causa da droga. As vítimas merecem mais do que isto.

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A elaboração de uma política mais eficaz de combate ao tráfico é um desafio enorme, mas nós temos uma oportunidade histórica. Há apenas dez anos, muitos observadores diziam que era desaconselhável a legalização da droga. Mas no dia 6 de novembro, Michigan tornou-se o 10º estado a legalizar a maconha para recreação, o Canadá já a legalizou e o México está tomando medidas neste sentido.

Talvez nós não queiramos lojas que vendem heroína abertamente. Entretanto, além da legalização de drogas menos perigosas, seria preciso tomar medidas mais concretas a fim de permitir a reabilitação dos viciados; um estudo realizado em 2015 concluiu que quase 80% dos americanos que usam compulsivamente opiáceos não recebiam tratamento. Os programas que utilizam metadona também podem ajudar alguns viciados e fazer com que parem de financiar o assassinato em massa ao sul do Rio Grande.

Um primeiro passo seria admitir simplesmente que a política atual é um fracasso. Se ela continuar, em mais 25 anos provavelmente estaremos caçando um novo chefão, e publicando mais artigos sobre o dinheiro da droga, a corrupção da polícia e montanhas de cadáveres.

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Ioan Grillo é o autor de “Gangster Warlords: Drug Dollars, Killing Fields, and the New Politics of Latin America”.

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