Líderes populistas da Europa flertam com Israel

Direita europeia apresenta crescente fascínio pelo primeiro-ministro israelense

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Por Ivan Krastev
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Os períodos de grandes transformações políticas nunca foram particularmente fáceis para os judeus, e o momento atual não é exceção. O antissemitismo está em alta na Europa e muitos temem que o ressurgimento do nacionalismo piore a situação. Mas há um porém: a nova ascensão do antissemitismo na Europa é acompanhada por um crescente fascínio da direita europeia por Israel e, em particular, seu primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu. Esse fascínio é particularmente acentuado entre os partidos populistas da situação na Europa Central, região onde, historicamente, o antissemitismo encontrou terreno fértil.

Binyamin Netanyahu, de Israel, segundo a partir da esquerda, reúne-se com líderes centro-europeus em Budapeste em 2017. Foto: Peter Kohalmi/Agence France-Presse - Getty Images

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Líderes centro-europeus enxergam Netanyahu como um aliado próximo. No ano passado, a organização Visegrad Group, voltada para a cooperação entre os países centro-europeus, anunciou planos para realizar um encontro em Israel - sua primeira reunião fora da Europa. O plano acabou descartado por causa de uma discussão entre Polônia e Israel a respeito do Holocausto, mas o simbolismo foi significativo, e os líderes dos três outros países da Visegrad Group - Hungria, República Checa e Eslováquia - foram a Israel. De sua parte, Netanyahu cultivou relacionamentos com líderes populistas centro-europeus. 

Descreveu Viktor Orban como “legítimo amigo de Israel” ao mesmo tempo em que membros importantes da comunidade judaica de Budapeste criticavam o líder húngaro pelo clima antissemita de sua campanha contra George Soros. Por que os populistas da Europa Central se sentem atraídos pelo governo israelense de Netanyahu de uma forma que lembra o fascínio dos esquerdistas da Europa Ocidental nos anos 1960 e 1970 diante da Cuba de Fidel Castro?

Netanyahu enxerga nos governos da Europa Central possíveis defensores dentro da União Europeia, que poderiam amenizar a pressão de Bruxelas contra o questionável histórico de respeito aos direitos humanos em Israel. Para tanto, fez visitas frequentes à região. Seus esforços foram recompensados: República Checa, Hungria e Romênia vetaram recentemente uma declaração da UE criticando os Estados Unidos por sua decisão de transferir a embaixada israelense do país para Jerusalém.

Para os governos centro-europeus, um relacionamento especial com Israel é uma forma de se beneficiar da economia dinâmica do país e se aproximar do presidente Donald Trump e seu governo, favoráveis a Israel. Muitos na região acreditam que, para que um líder de um pequeno país centro-europeu seja convidado para uma visita à Casa Branca, é necessário comprar muito equipamento militar americano ou contar com o lobby de Netanyahu para que a visita ocorra.

Mas a aliança populista com Israel é mais do que um casamento de conveniência e cálculo estratégico. Sob muitos aspectos, o sionismo era uma imagem refletida da política nacionalista - e frequentemente antissemita - que dominou a Europa Central e Oriental entre as duas guerras mundiais. Hoje, o que atrai os populistas da Europa Oriental a Israel e a realização do seu antigo sonho: Israel é uma democracia, mas uma democracia étnica; o país se define como o estado dos judeus, assim como os europeus orientais imaginam seus países como o estado dos poloneses, dos húngaros ou dos eslovacos.

Temos também a questão demográfica. Os habitantes da Europa Central e Oriental enxergam Israel como a única sociedade ocidental que está vencendo a guerra populacional e revertendo a tendência de declínio demográfico. Em um momento em que a Europa Oriental é a região mundial que encolhe mais rapidamente, o sucesso de Israel em persuadir judeus da diáspora a voltarem ao país e sua eficácia em convencer os israelenses a terem mais filhos parecem um milagre.

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Os populistas do Leste da Europa também partilham da desconfiança de Netanyahu diante de qualquer coisa que pareça pós-nacional ou cheire a cosmopolitismo. Eles concordam com Yoram Hazony, filósofo político conservador israelense e defensor de Netanyahu, autor da influente obra “The Virtue of Nationalism” [A Virtude do Nacionalismo], para quem o grande embate politico da história mundial não seria entre classes ou países, e sim entre os nacionalistas, que acreditam no estado-nação como melhor forma de organização política, e os imperialistas, que defendem um império universal. 

Para Hazony e seus seguidores, o Império Romano, o Império Habsburgo, a União Soviética, a União Europeia e até os Estados Unidos do período pós-Guerra Fria são apenas encarnações diferentes da ideia de um império universal. E a responsabilidade dos verdadeiros nacionalistas é lutar pela sua destruição.

Netanyahu disputa eleições como se fossem uma guerra sem prisioneiros, e seus eleitores estão dispostos a perdoar as acusações de corrupção contra ele. Orban vê nisso muito o que admirar. Enquanto isso, ele se mostra disposto a suportar as críticas do restante do mundo, simultaneamente mantendo o direito de se fazer de vítima - estratégia imitada pelo partido Lei e Justiça, da Polônia. Israel é um país pequeno, mas, graças ao seu poderio econômico e militar, participa do jogo das grandes potências, demonstrando capacidade de desafiar até mesmo os EUA.

Compreender o fascínio dos nacionalistas centro-europeus por Israel nos ajuda a compreender seus sonhos políticos, mas também revela seus limites. Uma chave para a política nacionalista de Israel e sua resistência à pressão internacional é o argumento israelense segundo o qual o país enfrenta ameaças à sua existência. O mesmo não pode ser dito a respeito da Europa Central, que, como parte da União Europeia, desfruta agora do período mais pacífico da história da região.

Os líderes populistas da Europa Central enxergam Israel como um modelo de como um país pequeno pode ser soberano e heroico. Mas a maioria dos habitantes do leste europeu é motivada pelo sonho de uma vida normal, e não por uma fantasia de sacrifício heroico. É mais fácil admirar Israel do que convencer suas sociedades ocidentais a imitar o país.

Ivan Krastev é presidente do Centro de Estratégias Liberais, pesquisador permanente do Instituto de Ciências Humanas, em Viena, e autor de “After Europe”. 

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