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Indo para a Lua via nuvem

A computação de alto desempenho em nuvem permitiu que startups desenvolvessem protótipos e executassem simulações - até mesmo uma para a Lua - que até então eram feitas em supercomputadores

Por Craig S. Smith
Atualização:

A Firefly Aerospace, uma startup com sede nos subúrbios de Austin, Texas, está construindo um foguete para voar até a Lua.

Não, não é um remake do curta de animação A Grand Day Out With Wallace and Gromit, no qual a dupla de personagens vai à superfície lunar em busca de queijo; trata-se de uma empresa de verdade. E também de um exemplo de como a onipresente disponibilidade de computação de alto desempenho por meio da internet desencadeou uma onda global de criatividade. A “nuvem”, aquele eufemismo difuso para redes de grandes computadores servidores que qualquer pessoa pode acessar com um laptop e um cartão de crédito, colocou até os sonhos mais loucos ao alcance de pessoas com know-how suficiente.

Ilustração de James Yang/The New York Times. 

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Construir sistemas físicos complexos, como semicondutores ou submarinos, requer intensivas simulações de computador antes que se deva comprometer dinheiro para dobrar aço para um protótipo - isso para não falar na produção de uma espaçonave. Essas simulações requerem cálculos vastos que antes eram feitos em supercomputadores disponíveis apenas para governos ou para as corporações mais abastadas.

“Novas empresas de foguetes como Firefly, Virgin Orbit e SpaceX não conseguiriam prosperar quando eu era engenheiro na Boeing, quinze anos atrás”, disse Joris Poort, fundador e executivo-chefe da Rescale, uma empresa que orquestra a computação de alto desempenho na nuvem. “Naquela época, você tinha que levantar centenas de milhões de dólares só para construir a infraestrutura de computador necessária para executar as simulações”.

Os supercomputadores surgiram na década de 1960, quando os cientistas da computação começaram a dividir os problemas em partes e computar as partes simultaneamente, em vez de uma de cada vez em série. Para que a computação paralela funcione com eficiência, os dados precisam ser trocados entre os processadores do computador e, assim, as empresas começaram a construir “supercomputadores” com vários processadores de computador fortemente acoplados.

Os mais novos supercomputadores podem executar 1 quatrilhão de cálculos por segundo e já estão à vista 1 quintilhão de cálculos. Mas esses computadores são caros - até US$ 500 milhões - e exigem muito espaço e manutenção. Os clusters de computadores em rede, menos poderosos, mas mais flexíveis, agora podem fazer quase tudo isso e deram origem ao termo computação de alto desempenho.

Hoje, a maioria das empresas de computação em nuvem, da Amazon ao Google e à Microsoft, oferece acesso a hardwares de computação de alto desempenho, que são quase tão poderosos, mas muito mais versáteis do que os supercomputadores. Qualquer empresa agora pode controlar a computação em pé de igualdade com a Nasa ou a Boeing.

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Apenas cerca de 12% da computação de alto desempenho ocorre na nuvem atualmente, mas esse número - cerca de US$ 5,3 bilhões - está crescendo 25% ao ano, de acordo com a Rescale.

Pesquisadores, cientistas e engenheiros podem usar qualquer computador desktop e navegador para acessar facilmente a supercomputação por meio de serviços em nuvem, onde os recursos são sob demanda e cobrados pelo consumo. Como a demanda por recursos de computação continua crescendo, os serviços em nuvem estão ganhando popularidade entre grupos de pesquisa e desenvolvimento e campos de ciência aplicada por causa de sua acessibilidade, flexibilidade e mínimo custo de investimento.

Uma única carga de trabalho de computação de alto desempenho para otimizar o projeto de uma asa de aeronave pode custar US$ 20 mil, enquanto as cargas de trabalho de aprendizado de máquina usadas nas fases anteriores de desenvolvimento costumavam ser muito mais caras. A Firefly diz que normalmente gasta de milhares a dezenas de milhares de dólares por hora em seus cálculos - ainda muito menos do que o custo de construção e manutenção de um computador de alto desempenho.

Os desenvolvedores de software já vêm usando a computação em nuvem há algum tempo, mas engenheiros e cientistas estão apenas começando a aproveitar o poder da nuvem - transformando sonhos em realidade para empresas movidas pela ciência, como a startup de transporte HyperXite, a inovadora empresa de energia Commonwealth Fusion Systems e a fabricante de carros autônomos voadores Kitty Hawk (que prefere o termo “veículos elétricos de decolagem e pouso vertical”).

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A Firefly, por exemplo, foi fundada em 2014 e hoje conta com cerca de 350 funcionários. No entanto, eles estão construindo tudo, desde os motores do foguete e o corpo de fibra de carbono até um módulo de aterrissagem lunar - que hoje é apenas um projeto conceitual mas será uma missão para a Lua em 2023. O programa Apollo da Nasa no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, em contraste, empregou centenas de milhares de pessoas e contratou dezenas de milhares de empresas externas.

“Novas startups espaciais com mil funcionários ou menos dependem muito dessa computação em nuvem”, disse Brigette Oakes, diretora de design e análise da Firefly. Seu pequeno tamanho contrasta com suas finanças: a empresa recentemente anunciou que havia levantado US$ 75 milhões em capital privado e estava avaliada em cerca de US$ 1 bilhão.

Os principais componentes dos supercomputadores foram gradualmente transformados em mercadoria e simplificados para facilitar e agilizar o uso. Na década de 1990, muito antes do surgimento da computação em nuvem, era possível remendar um supercomputador comum usando servidores de última geração e equipamentos de rede especializados. Com o tempo, esses clusters de computação de alto desempenho ficaram cada vez melhores e, por fim, as empresas de computação em nuvem os disponibilizaram em suas redes.

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Antes da ampla disponibilidade desse tipo de computação, as organizações construíam protótipos caros para testar seus projetos. “Na verdade, íamos lá e construíamos um protótipo em escala real e o executávamos até o fim da vida antes de levá-lo a campo”, disse Brandon Haugh, engenheiro de projeto, referindo-se a um reator nuclear em que trabalhou com a Marinha americana. “Foi um teste multibilionário de vinte anos”.

Hoje, Haugh é o diretor de modelagem e simulação na startup de engenharia nuclear Kairos Power, com sede na Califórnia, onde ele aprimora o projeto de reatores acessíveis e seguros que a Kairos espera que ajudem a acelerar a transição do mundo para a energia limpa.

A energia nuclear há muito tempo é considerada uma das melhores opções para a produção de eletricidade com carbono zero - o problema é seu custo proibitivo. Mas os reatores avançados da Kairos Power estão sendo projetados para produzir energia a custos competitivos com o gás natural.

“A democratização da computação de alto desempenho agora chegou até as startups, permitindo que empresas como a nossa trabalhem rapidamente e passem do conceito à implantação de campo em tempo recorde”, disse Haugh.

Mas a computação de alto desempenho na nuvem também criou novos desafios.

Nos últimos anos, tem havido uma proliferação de chips de computador customizados, construídos para tipos específicos de problemas matemáticos. Da mesma forma, agora existem diferentes tipos de memória e configurações de rede na computação de alto desempenho. E os diferentes provedores de nuvem têm diferentes especializações: um pode ser melhor em dinâmica de fluxos computacionais, enquanto outro é melhor em análise estrutural.

O desafio, então, é escolher a configuração certa e obter a capacidade quando você precisa - porque a demanda aumentou drasticamente. E embora os cientistas e engenheiros sejam especialistas em seus domínios, eles não necessariamente o são em configurações de servidores, processadores e coisas do tipo.

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Isso deu origem a um novo tipo de especialização - especialistas em computação em nuvem de alto desempenho - e novas plataformas de nuvem cruzada que atuam como espaços onde as empresas podem escolher a combinação certa de software e hardware. A Rescale, que trabalha em estreita colaboração com todos os principais provedores de nuvem, é a empresa dominante neste campo. Ela combina problemas de computação para empresas, como Firefly e Kairos, com o provedor de nuvem certo para fornecer computação que cientistas e engenheiros podem usar para resolver problemas mais rápido ou com o menor custo possível.

O custo de execução de uma simulação na nuvem pode ser inferior a um décimo do custo de uma empresa construir seu próprio computador de alto desempenho, e os provedores de nuvem atualizam continuamente seus chips de computador, algo que as empresas com seu próprio hardware são menos propensas a fazer.

A Firefly, que se baseou fortemente em simulações para projetar seu foguete, está planejando enviar suas primeiras cargas ao espaço dentro de alguns meses e, em seguida, em alguns anos, enviar seu módulo de pouso à Lua para ajudar a Nasa a se preparar para futuras missões tripuladas. O desenvolvimento total do foguete levou menos de quatro anos, tempo notavelmente curto para um foguete desse tamanho.

“Após nosso primeiro pouso lunar, esperamos enviar uma série de missões de reabastecimento à Lua, tanto para a Nasa quanto para clientes comerciais”, disse Oakes. “Se você conseguir fazer seu preço chegar a US$ 15 milhões ou menos por lançamento, terá mais clientes do que conseguirá atender”.

Trazer a computação em nuvem para os engenheiros muda a dinâmica da inovação. O projeto aeroespacial normalmente depende de testes em túnel de vento, por exemplo, mas o tempo de espera para entrar em um túnel de vento é de até dois anos - muito tempo para uma startup como a Firefly. Mas as simulações mais rápidas feitas em nuvem podem fazer o mesmo trabalho.

“Estamos trabalhando tão rápido no foguete que, quando chegar o momento do túnel de vento, teremos um foguete completamente diferente”, disse Oakes. “Estamos contando com a computação em nuvem, em vez de testes de hardware caros”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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