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Médicos testam os limites de tratamentos para fetos

Especialistas de San Francisco buscam tratamentos para fetos com sérios problemas genéticos

Por Denise Grady
Atualização:

SAN FRANCISCO - Nos três meses que antecederam seu nascimento, Elianna Constantino recebeu cinco transfusões de sangue e um transplante de medula. Todos foram realizados com uma agulha atravessando o abdômen e o útero da mãe, chegando à veia em seu cordão umbilical.

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Elianna, nascida no dia 1º de fevereiro, tem uma doença genética que costuma matar o feto antes do nascimento. O distúrbio, chamado Talassemia Alfa maior, impede que as células sanguíneas transportem oxigênio pelo corpo, provocando anemia grave, insuficiência cardíaca e lesões cerebrais. As transfusões no útero a mantiveram viva, mas serviram apenas para tratar a doença. O transplante de medula óssea traz o potencial de curá-la. Ainda não se sabe se o procedimento será bem-sucedido.

Elianna e a mãe, Nichelle Obar, foram as primeiras pacientes de um experimento que testa os limites do tratamento para fetos.

Se o tratamento funcionar, isso pode abrir as portas para o uso de transplantes de medula óssea antes do nascimento para curar não apenas a doença sanguínea de Elianna, mas também a anemia falciforme, a hemofilia e outros distúrbios hereditários, alguns deles tão graves que o diagnóstico pré-natal pode levar os pais a optarem pelo fim da gravidez.

A medula óssea é considerada uma cura em potencial porque está repleta de células-tronco, capazes de criar substitutos para células que estejam faltando ou que sejam defeituosas.

“Essa linha de trabalho leva a área da cirurgia em fetos, que atualmente consiste em grandes operações para distúrbios anatômicos, a uma nova direção de tratamentos celulares e moleculares realizados de maneira não invasiva", explicou Tippi MacKenzie, cirurgiã pediátrica e fetal que chefia o estudo no Hospital Infantil Benioff, da Universidade da Califórnia em San Francisco.

Nichelle, 40 anos, e o marido, Chris Constantino, 37 anos, são ambos saudáveis, mas descobriram durante a primeira gravidez dela que ambos são portadores da Talassemia.

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No mundo inteiro, cerca de 100 mil crianças nascem todos os anos com casos graves. Milhões de pessoas são portadoras, principalmente na Ásia, Mediterrâneo, África e Oriente Médio.

Os portadores são geralmente saudáveis, mas quando dois deles têm filhos, estes correm o risco de desenvolver a doença. Nichelle é descendente de filipinos e porto-riquenhos; o marido dela é filipino. Moram no Havaí.

O primeiro filho do casal, Gabriel, agora com 3 anos, é saudável. Mas cada criança concebida pelo casal tem 25% de chance de ser afetada. Um exame de ultrassonografia com 18 semanas de gravidez mostrou que o coração de Elianna tinha o dobro do tamanho esperado, e havia fluído se acumulando em seus pulmões e outros órgãos. O fluxo do sangue pelo cérebro era demasiadamente rápido, indicando uma grave anemia.

Nichelle Obar com a filha, Elianna, portadora de uma doença que foi tratada antes mesmo do nascimento. Foto: Bryan Meltz para The New York Times

Tudo apontava para um quadro de Talassemia Alfa maior - a pior forma da doença. Algumas referências médicas descrevem o distúrbio como “incompatível com a vida", e a maioria dos fetos morre no útero de insuficiência cardíaca. A gravidez pode terminar num aborto espontâneo sem que os pais saibam o motivo. Muitos nem sabem que são portadores.

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Transfusões via cordão umbilical durante a gravidez podem salvar os fetos e impedir lesões cerebrais. Nesses casos, a criança precisará de transfusões a casa três ou quatro semanas pelo resto da vida; o procedimento tem custo anual de aproximadamente US$ 50 mil e traz seus próprios riscos. Um transplante de medula após o nascimento pode curar a doença, mas somente se for encontrado um doador compatível. O transplante também é arriscado e custa cerca de US$ 150 mil.

Alguns médicos temem as transfusões porque, mesmo que a criança sobreviva, é grande o risco de lesões cerebrais significativas. Um relatório internacional dos sobreviventes do tratamento mostrou que cerca de 20% (11 de 55) tinham graves atrasos no desenvolvimento neurológico. Outro artigo identificou atrasos em 29% (4 de 14).

O especialista em genética consultado por Nichelle falou em encerrar a gravidez, mas também nas transfusões. Ela e o marido optaram pelo tratamento.

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A meta geral do tratamento para fetos é agir cedo o bastante para minimizar ou até prevenir danos mais graves decorrentes de problemas sérios que começam no útero. No caso de um transplante de medula óssea, a vantagem de realizá-lo antes do nascimento está no fato de o sistema imunológico do feto ainda não estar plenamente desenvolvido, diminuindo assim a possibilidade de rejeição do implante.

Em comparação, quando os transplantes são realizados após o nascimento, a criança precisa primeiro de uma bateria árdua de quimioterapia para eliminar o sistema imunológico e evitar a rejeição. Essa parte do tratamento pode, em si, ser fatal: os óbitos chegam a 7%, geralmente em decorrência de alguma infecção.

Os transplantes de medula óssea em fetos foram tentados pela primeira vez nos anos 1990. Alguns funcionaram, mas a maioria fracassou, e os médicos praticamente abandonaram a técnica, segundo a cirurgiã Tippi Mackenzie.

Mas as pesquisas revelaram uma informação fundamental. Era a mãe, e não o feto, que rejeitava os transplantes vindos do pai ou outros doadores.

“Todos têm um doador perfeito enquanto fetos: a mãe", explicou a médica.

Por enquanto, para Elianna, não houve benefício aparente com o transplante. Como todas as crianças com sua doença sanguínea, ela precisa de uma transfusão a cada três semanas.

Mas testes identificaram algumas das células da mãe em seu sangue. Ainda não se sabe se estas começarão a ajudá-la. Em caso negativo, os pais podem optar por um transplante de medula óssea para curar a doença e poupá-la de uma vida de seguidas transfusões.

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Nesse caso, se algumas das células da mãe persistirem, elas podem tornar possível que ela aceite outro transplante de Nichelle com menos quimioterapia do que o habitual. Mas essas decisões ainda estão distantes.

“Elianna está ótima", disse Nichelle. “Não estou nem um pouco desapontada. Se funcionar, ótimo. Se não, tudo bem. Comemoramos todas as pequenas vitórias. Estou contente por termos feito essa escolha”.

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