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Para muitos, hidrogênio é o combustível do futuro, mas uma pesquisa levanta dúvidas

A indústria tem promovido o hidrogênio como combustível confiável e de última geração para fazer carros funcionarem, aquecer residências e gerar eletricidade. Mas ele pode ser pior para o clima do que se pensava

Por Hiroko Tabuchi
Atualização:

Ele é visto por muitos como a energia limpa do futuro. Bilhões de dólares do projeto de lei de infraestrutura bipartidária foram direcionados para financiá-lo.

Mas um novo estudo revisado por pares sobre os efeitos climáticos do hidrogênio, a substância mais abundante no universo, lança dúvidas sobre seu papel no combate às emissões de gases de efeito estufa que são o motor do catastrófico aquecimento global.

Motorista enche seu Toyota Mirai, um veículo movido a hidrogênio, em Fountain Valley, Califórnia, em outubro de 2020. Foto: Philip Cheung/The New York Times

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A maior pedra no caminho: a maior parte do hidrogênio usado hoje é extraído do gás natural em um processo que exige muita energia e emite grandes quantidades de dióxido de carbono. A produção de gás natural também libera metano, um gás de efeito estufa particularmente potente.

E ainda que a indústria de gás natural proponha capturar este dióxido de carbono – criando o que ela promove como hidrogênio “azul”, livre de emissões – mesmo esse combustível ainda emite mais ao longo de sua cadeia de abastecimento do que simplesmente queimar gás natural, de acordo com o artigo, publicado em agosto na revista Energy Science & Engineering por pesquisadores das universidades Cornell e Stanford.  

“Chamá-lo de combustível de emissão zero é totalmente errado,” disse Robert Howarth, um biogeoquímico e cientista de ecossistemas em Cornell e principal autor do estudo. “Descobrimos que ele nem mesmo é um combustível de baixa emissão.”

Para chegar a essa conclusão, Howarth e Mark Jacobson, professor de engenharia civil e ambiental em Stanford e diretor de seu programa Atmosfera/Energia, examinaram as emissões de gases de efeito estufa do ciclo de vida do hidrogênio azul. Elas foram responsáveis tanto pelas emissões de dióxido de carbono quanto pelo metano que vaza de poços e outros equipamentos durante a produção de gás natural.

Os pesquisadores presumiram que 3,5% do gás perfurado do solo vaza para a atmosfera, uma suposição baseada em pesquisas crescentes que descobriram que a perfuração por gás natural emite muito mais metano do que se sabia anteriormente.

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Eles também levaram em conta o gás natural necessário para alimentar a tecnologia de captura de carbono. Ao todo, eles descobriram que a pegada de gás de efeito estufa do hidrogênio azul era mais de 20% maior do que a queima de gás natural ou carvão para aquecimento. (A execução da análise em uma taxa de vazamento de gás muito mais baixa de 1,54% reduziu apenas ligeiramente as emissões, e as emissões do hidrogênio azul ainda permaneceram mais altas do que simplesmente queimar gás natural.)

Essas descobertas podem alterar o cálculo para o hidrogênio. Ao longo dos últimos anos, a indústria de gás natural começou a promover o hidrogênio como um combustível confiável e de última geração para fazer os carros funcionarem, aquecer residências e queimar em usinas de energia.

Nos Estados Unidos, na Europa e em outros lugares, a indústria também apontou o hidrogênio como justificativa para continuar a construir infraestrutura de gás como gasodutos, dizendo que os tubos que transportam gás natural podem no futuro transportar uma mistura mais limpa de gás natural e hidrogênio.

Embora muitos especialistas concordem que o hidrogênio possa eventualmente desempenhar um papel no armazenamento de energia ou no abastecimento de certos tipos de transporte - como aeronaves ou caminhões de longa distância, onde mudar para energia elétrica a bateria pode ser desafiador - existe um consenso emergente de que uma economia mais ampla de hidrogênio que depende do gás natural possa ser prejudicial ao clima. (Com os custos atuais, também seria muito caro.)

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O Hydrogen Council, um grupo da indústria fundado em 2017 que inclui BP, Shell e outras grandes empresas de petróleo e gás, não fez comentários imediatos. Um relatório da McKinsey & Co. em coautoria com grupos da indústria estimou que a economia do hidrogênio poderia gerar US $140 bilhões em receita anual até 2030 e sustentar 700.000 empregos. O estudo também projetou que o hidrogênio poderia atender a 14% da demanda total de energia dos EUA até 2050. A BP não quis comentar.

Em Washington, o último pacote de infraestrutura bipartidária dedica US $8 bilhões à criação de centros regionais de hidrogênio, uma provisão originalmente apresentada como parte de um projeto de lei separado do senador Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, uma importante região produtora de gás natural. Entre as empresas que fizeram lobby por investimentos em hidrogênio estava a NextEra Energy, que propôs uma fábrica piloto de hidrogênio movida a energia solar na Flórida.

Alguns outros democratas, como Jamie Raskin de Maryland, resistiram à ideia, chamando-a de "promessa vazia". Grupos ambientalistas também criticaram os gastos. “Não é uma ação climática”, disse Jim Walsh, analista sênior de política energética da Food & Water Watch, um grupo sem fins lucrativos com sede em Washington. “Este é um subsídio aos combustíveis fósseis com o Congresso agindo como se estivessem fazendo algo para o clima, enquanto apoia o próximo capítulo da indústria de combustíveis fósseis.”

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Jack Brouwer, diretor do National Fuel Cell Research Center da Universidade da Califórnia, em Irvine, disse que o hidrogênio, em última análise, precisaria ser feito usando energia renovável para produzir o que a indústria chama de hidrogênio verde, que utiliza energia renovável para dividir a água em suas partes constituintes, hidrogênio e oxigênio. Isso, ele disse, eliminaria os fósseis e os vazamentos de metano.

O hidrogênio feito de combustíveis fósseis ainda poderia atuar como um combustível de transição, mas, em última análise, seria “um pequeno contribuinte para a economia global sustentável do hidrogênio”, ele disse. “Primeiro usamos o azul, depois transformamos tudo em verde”, ele disse.

Hoje, muito pouco hidrogênio é verde, porque o processo envolvido – a eletrólise da água para separar os átomos de hidrogênio do oxigênio – é muito intenso em termos energéticos. Na maioria dos lugares, simplesmente não há energia renovável suficiente para produzir grandes quantidades de hidrogênio verde. (Embora, se o mundo realmente começar a produzir energia renovável em excesso, convertê-la em hidrogênio seria uma forma de armazená-la.)

Amy Townsend-Small, professora associada em ciência ambiental da Universidade de Cincinnati e especialista em emissões de metano, disse que mais cientistas estão começando a examinar algumas das alegações da indústria sobre o hidrogênio, da mesma forma que estudaram os efeitos da produção de gás natural no clima. “Acho que essa pesquisa vai impulsionar a conversa”, ela disse. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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