PUBLICIDADE

Modern Love: A solteirice não é um estigma

É hora de pararmos de privilegiar as conexões românticas sobre todas as outras

PUBLICIDADE

Por Ife Olatona

Em iorubá, a língua nativa de onde cresci na Nigéria, meu primeiro nome significa “amor”, mas ainda não experimentei o amor do tipo romântico. Quero amar, ser amado, presenciar uma chuva de afetos além das declarações ou de uma suposta responsabilidade, mas permaneço desprendido da perspectiva de romance.

PUBLICIDADE

Como alguém se apaixona? E se desapaixona?

Sendo deficiente auditivo, eu cresci em silêncio. Cheio de vida apenas com parentes confiáveis, eu era precoce, mas sensível, vulnerável. Como a única pessoa na minha família com perda auditiva, comecei a falar tarde. Mesmo agora, falo apenas quando considero o silêncio insuficiente.

Meus pais me amavam. Eles conheciam meu silêncio, meu distanciamento. O amor, para eles, estava em me olhar atentamente quando falavam, não gritando com minha surdez, mas me ajudando pacientemente a desvendar o que eu não ouvia. O pouco que ouvia do mundo quando criança era barulhento, constantemente agitado, minando minhas forças. Em muitos dias, eu queria ficar sozinho, mas não solitário.

Eu sabia a diferença.

A solteirice não é um estigma e o amor romântico não é o único amor possível.  Foto: Brian Rea/The New York Times

Encontrar a linguagem e o som era um trabalho para mim porque eu não tinha uma comunidade de deficientes auditivos em Lagos. Eu poderia passar sem a linguagem de sinais, mas ainda era alguém diferente em um mundo auditivo barulhento com vários idiomas.

Minha mãe, preocupada, me cobria de amor. Todas as noites, ela me abraçava e me beijava tanto que eu ficava cansado. Ela ouvia muito silêncio e me implorou para ser menos retraído. Eu tentei, mas quando me aproximei da minha adolescência, um torpor crescente tomou conta de mim. Eu me encolhia diante das afeições das pessoas. Escrevia mais do que falava, então meus pais me deram dois diários para dar uma olhada na minha mente. Escrevi para cada um dos meus pais em diários separados e coloquei minhas notas sinceras sob seus travesseiros ou mesas.

Publicidade

Não me lembro do conteúdo desses diários, mas me lembro de me sentir amado cada vez que eles responderam, trazendo suas respostas para mim da mesma maneira. Era gentil, muito mais gentil do que latir palavras para mim ou repeti-las. Mesmo que eu pudesse ter conversas em um mundo surdo para a surdez, elas eram exaustivas, especialmente telefonemas.

Eu tenho horror a telefonemas. Dói cada vez que explico a um amigo que não sou esnobe - as ligações são estressantes. Quando eu era jovem, a dor não estava nos aparelhos auditivos ou na leitura labial, mas em como meus amigos eram inconscientes e insensíveis. Escrever, para mim, era uma libertação.

Escrevi para meus pais e pessoas que amava, mas nunca romanticamente. Desconfiado de colocar rótulos - antes de aprender sobre o espectro arromântico na adolescência e, mais especificamente, o demirromantismo (atração romântica sentida apenas na presença de um vínculo emocional pré-existente) - tudo o que eu sabia é que dificilmente era tomado por expressões românticas.

Quando uma garota colocou uma carta de amor anônima debaixo da minha carteira no ensino médio, eu não me senti amado. Foi um choque, uma piada - não porque eu me achasse alienado demais para ser amado, mas porque eu não conseguia acreditar que ela pudesse me amar se não nos conhecíamos emocionalmente.

O que eu deveria fazer? Agir como se estivesse apaixonado? Deleitar-me com o brilho do amor e então reivindicar lições de vida quando ele murchasse? O namoro casual não caiu bem para mim quando tinha 15 anos. Depois de sorrir e desejar que a caligrafia fosse tão bonita quanto o carinho, me perguntei o que fazer com aquele bilhete.

“Quem escreveu isso?” Eu gritei, atraindo uma pequena multidão de colegas que riram. Logo, eu estava rindo também, inundado com algo que eu não conseguia nomear. Fiz uma bola com a carta e joguei fora, sem acreditar nem um pouco naquilo.

Anos depois, como calouro na faculdade, me perguntei por que a garota havia escolhido escrever uma carta anônima. Alguém a desafiou? Ela era tímida? Ela escreveu porque sabia que eu adorava ler? Ela achava que poderia me amar como minha mãe?

Publicidade

A carta de amor dela não combinava com nenhuma das cartas da minha mãe, mas não me esqueci do bilhete. Joguei fora rapidamente, mas ficou na minha mente. Por que eu estava tão impassível? Talvez eu tenha descartado a nota sincera porque achei que estava mal escrita ou porque pensei que o trocadilho “Ife mi” - que significa “meu amor” - assumia reciprocidade sem uma intimidade pré-existente, o que me chocou. Eu não poderia ser seu amor se nunca havia me apaixonado.

No ensino médio, não me senti pressionado a namorar ninguém. Em vez disso, eu era o amigo cabeça fria a quem recorrer depois de um rompimento. Se havia alguma coisa que notei sobre a mecânica da paixão no ensino médio, foi como as pessoas se voltavam para amigos íntimos quando terminavam com seus parceiros. Os parceiros assumiam um significado especial e atenção total quando o relacionamento prosperava, mas quando terminava, a atenção era desviada para a amizade, o trabalho ou mesmo a espiritualidade.

Desde a adolescência, tenho procurado amizades sinceras em vez de românticas. Meus parentes mais velhos, tios e tias, consideram esta uma escolha sábia, especialmente os pudicos que insistem que ainda há tempo. Ainda estou na faculdade, mas, para mim, não se trata de maturidade, mas da suposição generalizada de que todo mundo fica melhor em um relacionamento romântico e exclusivo.

Eu não acho que a solteirice deva carregar um estigma. O amor romântico é que deveria ser mais estigmatizado. A paixão me soa cor de rosa, especialmente a ideia de amor à primeira vista, considero-o uma felicidade implausível, um calor malfadado. Embora belo e apaixonado quando vivo, o amor se desfaz quando murcha, e assim os relacionamentos e casamentos românticos são para mim, na melhor das hipóteses, um nó de congratulações, mas não uma conquista ou garantia de realização.

O relacionamento mais emocionalmente satisfatório que já tive foi com um melhor amigo. Todos os meus segredos estavam em seu coração, e os dele no meu. O que tínhamos não era romance, não era sexual. Ele era mais próximo que um irmão e talentoso, precioso. Assustou-me então, a onda de atenção, o carinho persistente, o abrigo que demos um ao outro, o calor que existia entre nós antes que a distância os roubasse. No entanto, realmente nos importávamos um com o outro, e isso era amor.

Com ele, eu não via necessidade de namorar ninguém por mais amor. Não seria nada além de uma paixão inconstante, um jogo que não corresponderia ao vínculo que ele e eu compartilhávamos. Quando contei a ele sobre a escritora de cartas anônimas, ele brincou que levaria anos até que eu convidasse uma garota para sair e que eu poderia me atrapalhar tentando conquistá-la.

Eu ri. O que eu mais amava na minha amizade com ele era a inocência, a honestidade. Em muitas de minhas outras amizades entre homens, me senti pressionado a ser menos vulnerável e mais duro e distante. Com ele, eu era livre, embora às vezes suprimisse a expressão disso, da mesma forma que fazia com minha mãe. Uma vez, imaginei beijá-lo do jeito que minha mãe fazia comigo, mas não consegui. Eu raramente o chamava de melhor amigo, mas no meu coração, ele era. Um dia, disse de forma discreta que sentia a falta dele, e ele questionou a discrição.

Publicidade

“Olha, estou feliz por ter você na minha vida”, ele disse. “Apenas diga que sente minha falta.”

Tornei-me mais expressivo depois, mas ainda não namorei ninguém. Não poderia ser tão intenso, e ao mesmo tempo inocente, como as coisas eram com ele. Poderia ser mais apaixonado, mas haveria um fardo de expectativas.

Quando as pessoas privilegiam os relacionamentos amorosos acima das amizades elementares, o amor fica impregnado de maiores expectativas e pressões. Talvez seja por isso que joguei fora a carta da estranha amante. Não me lembro de seu conteúdo, mas me lembro de como ele fez com que me sentisse: repulsa por um afeto que eu nunca poderia corresponder.

Meu irmão mais velho me acha estranho. Uma vez, ele me disse em uma chamada de vídeo: “Mano, olhe para mim. Quem você ama?”

“Eu amo você,” eu disse.

Ele riu. “Somos irmãos. Por quem você está apaixonado? Quero dizer - -”

“Ninguém!” Eu disse, exausto por tais expectativas.

Publicidade

Meses depois, em outra videochamada, ele perguntava a mesma coisa de forma diferente, dizendo que seria hora de eu me casar logo, que eu não era jovem demais para olhar para frente, para manter os olhos abertos e achar a mulher certa.

Pensei: não, eu estou me encontrando primeiro, antes que venha outra amante estranha. Mas eu não disse isso a ele. Em vez disso, eu disse: “Hora de quem?” Apontei para o meu relógio, apressando a conversa. E fui embora. O amor podia esperar. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.