PUBLICIDADE

Modern Love: ‘Nossa diferença de idade de 34 anos estava pesando’

Quando meu marido, completando 80 anos, concordou que eu poderia sair com um homem mais jovem, não podíamos prever a maneira surpreendente com que nossa vida se desenrolaria

Por Sonja Falck

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Há nove anos, uma amiga de infância na África do Sul veio me visitar em Londres. Ela lê cartas do tarô e energias e se ofereceu para me avaliar, passando as mãos sobre meu corpo, começando pela minha cabeça.

PUBLICIDADE

“Uau, você tem muita coisa acontecendo aí”, disse ela. Suas mãos então pairaram sobre meu coração. “Aqui também está um forte centro de energia - o seu amor pela sua família e amigos.” Depois de mover as mãos para baixo, ela disse: “Da cintura para baixo não estou detectando nenhum sinal de energia. Nada.”

Eu tinha 45 anos, estável profissionalmente e pessoalmente, casada e com dois filhos. Mas meu marido, Colin, escritor e professor de literatura inglesa, era 34 anos mais velho que eu. Eu me apaixonei tanto por ele quando ele era o proprietário de onde eu morava, quase duas décadas antes, que desisti do sol e da vida selvagem da África para me estabelecer com ele em Londres.

O que acontece na vida selvagem, quando o primata macho, o elefante ou o leão envelhecem? Um rival mais jovem disputa seu lugar pela fêmea, e eles brigam até a morte. Ou o mais velho é expulso do grupo e começa a vagar sozinho. Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels

Agora ele estava completando 80 anos e nossa diferença de idade estava pesando. Por mais em forma e saudável que estivesse, ninguém pode escapar do envelhecimento biológico. Nosso amor era forte, mas nossa vida sexual havia terminado.

A avaliação da minha amiga me entristeceu, como se algo em mim estivesse morto. Mas não se pode ter tudo. Colin e eu tínhamos uma rara compatibilidade intelectual que sempre chamamos, segundo Shakespeare, de “casamento de mentes verdadeiras”. Eu valorizava tanto nossa vida juntos que acabei aceitando a ausência de um relacionamento físico.

Até que uma noite, uma semana antes do Natal, fui a uma aula chamada “Como ter conversas melhores” e um estranho alto e atraente perguntou se poderia sentar-se ao meu lado. Notei que havia fileiras de assentos vazios por toda parte. Eu disse que sim.

Durante a aula, o professor enfatizou como é chato quando as pessoas conhecem alguém novo e dizem: “O que você faz?” Ele encerrou a aula com uma pergunta instigante: “Que conversa você não está tendo e com quem?”

Publicidade

Depois da aula, o estranho atraente - Richard - me convidou para um drinque. Ele sugeriu que fizéssemos algo dito na aula e não perguntássemos ou disséssemos um ao outro o que fazíamos.

Isso me pareceu uma experiência divertida. Ele não morava em Londres. Trocamos endereços de e-mail.

Richard e eu começamos a trocar e-mails diariamente. Ele era um pouco mais novo que eu e 40 anos mais novo que Colin. Ele nunca se casou ou teve filhos. Ele disse que poderíamos ser amigos.

Mas quando nos encontramos novamente, nos beijamos. Uma energia há muito adormecida se agitou. Percebi que não poderia mais ignorar esse lado da vida. Eu precisava falar com Colin. Essa era a conversa difícil e dolorosa que eu não estava tendo.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O que acontece na vida selvagem, quando o primata macho, o elefante ou o leão envelhecem? Um rival mais jovem disputa seu lugar pela fêmea, e eles brigam até a morte. Ou o mais velho é expulso do grupo e começa a vagar sozinho. A diferença com os humanos é que podemos conversar sobre essas coisas. Podemos tomar decisões únicas.

Colin e eu concordamos que nossos principais valores eram continuar compartilhando nossas vidas e manter nossa família intacta, ambos querendo manter a coparentalidade rotineira de nossos filhos. Mas concordamos que eu poderia, discretamente, deixar de ser sexualmente fiel a um casamento sem sexo.

Richard e eu nos tornamos amantes. Um despertar erótico emocionante, de meia-idade, se desenrolou. A gente se encontraria tarde da noite em meu escritório, depois que todos no prédio tivessem ido embora, e faríamos amor até o amanhecer. Ainda não havíamos contado um ao outro sobre nossas carreiras (embora meu escritório oferecesse pistas).

Publicidade

Um dia, Richard me propôs hipoteticamente: se eu fosse livre para me casar com ele, eu o faria?

“Sim, eu disse. “Eu me casaria.”

Por fim, combinamos que Richard viesse à nossa casa para conhecer Colin e as crianças, como amigo. Duas semanas depois, Richard tinha um congresso em Londres.

“Agora que Richard conheceu a família”, eu disse a Colin, “ele poderia ficar em nosso quarto de hóspedes enquanto estiver em Londres?”

No dia seguinte, eu estava no jardim com amigos quando decidimos pedir uma pizza para um almoço tardio. Entrei em casa para pedir para Colin se juntar a nós. Para minha surpresa, encontrei-o em um quarto escuro, ainda na cama, às 14h. Eu nunca o tinha visto assim antes. Sofrendo.

“Isso tudo está acontecendo tão rápido”, disse ele. “Acabei de conhecer Richard e agora você está perguntando se ele pode ficar como hóspede aqui em casa.”

“Você quer que eu pare de vê-lo?”

Publicidade

“Não”, ele disse. “Eu sou o passado, Richard é o futuro. Prometa-me que se estiver pensando em deixá-lo, primeiro discutirá isso comigo?”

Colin estava pensando no futuro, em um momento em que nossa família ficaria sem ele. É como se ele estivesse fazendo um plano de sucessão. Chorando, concordei.

Richard e eu concordamos que havia chegado a hora - oito meses desde que tínhamos nos conhecido - de finalmente contarmos um ao outro o que fazíamos.

“Em vez de te contar”, disse ele, “quero te mostrar”.

Em uma manhã bem cedo, ele me pegou e dirigiu para o interior. Ele parou o carro perto de um campo. “Isso é o que eu faço”, disse ele.

Fiquei perplexa.

“Sou agrônomo”, disse ele, explicando que aconselha os agricultores sobre como usar as suas terras, o que cultivar e como cuidar das safras.

Publicidade

Mais do que isso, ele é especialista em agricultura regenerativa. Ao estabelecer uma nova safra, em vez de usar produtos químicos tóxicos para destruir tudo o que existia antes, ele cultiva diferentes safras simultaneamente, que partilham o mesmo campo, agindo como companheiras, proporcionando benefícios umas às outras em vez de ameaça. É uma abordagem sistêmica que vai contra a tradição, e as pessoas podem recebê-la com preconceito e desafio, não entendendo e levando muito tempo para aceitá-la.

Quando comecei a contar à família e aos amigos sobre mim e Richard, também enfrentei preconceitos e desafios. Alguns ficaram arrasados, alertando que isso poderia prejudicar nossos filhos e que eu estava arriscando tudo por um estranho.

“Você não o conhece”, disse um amigo. “Há um ditado na Itália segundo o qual você não conhece alguém até comer um quilo de sal com a pessoa. O que leva muito tempo. Um quilo inteiro de sal!”

Depois que contei isso a Richard, ele me comprou um quilo de sal e disse: “Vamos começar a compartilhar isso e, quando terminarmos, ninguém poderá dizer que não nos conhecemos”.

Uma noite, em nosso restaurante favorito, ele parecia preocupado. Eu disse: “Qual é a conversa que você não está tendo?” Ele me contou como era doloroso para ele sempre se sentir excluído da minha vida familiar, com Colin e nossos filhos. Eles vieram primeiro para mim, e ele não tinha um lugar seguro para si.

Eu sabia que era hora de ter outra conversa difícil com Colin.

Expliquei a perspectiva e a insegurança de Richard. Colin tinha um vínculo legal comigo (nosso casamento) e biológico (nossos filhos). Richard não tinha nenhum dos dois. O que poderíamos oferecer a Richard para provar a ele - e às pessoas em sua vida, como seus pais - que ele não estava ficando de fora?

Publicidade

Colin e eu reconhecemos que sempre teríamos nossos filhos e nosso “casamento de mentes verdadeiras”, independentemente de sermos legalmente casados. O lugar de Richard estaria garantido se ele pudesse se casar comigo. Tudo poderia ficar como estava, mas concordamos que Colin e eu nos divorciaríamos legalmente. O divórcio era apenas um pedaço de papel.

Na época, no Reino Unido, o divórcio sem culpa ainda não existia. Uma parte tinha que pedir o divórcio da outra; não poderia ser um pedido conjunto refletindo uma decisão mútua. E Colin não poderia citar meu adultério como motivo para o divórcio, porque se você continuasse morando com seu cônjuge além de seis meses após o adultério ter sido reconhecido, você seria considerado legalmente como o tendo aceitado.

“Então me acuse de comportamento irracional”, disse Colin. “Certamente fiz algo incrivelmente irracional - envelheci!”

Mas havia outro obstáculo. Por lei, todas as razões permitidas para o divórcio baseavam-se na mesma condição - que os dois cônjuges “não pudessem mais tolerar viver juntos”.

Colin e eu ainda morávamos juntos, embora em quartos separados, e queríamos que isso continuasse. Os advogados que consultei disseram que isso não seria possível. Decidi me representar no caso e consegui; nosso pedido foi atendido.

Richard veio morar conosco e, três anos depois de nos conhecermos, ele e eu começamos a planejar nosso casamento. Nós cinco estávamos vivendo juntos de forma amigável, beneficiando uns aos outros, não ameaçando. Amigos e familiares aceitaram gradualmente a nossa situação incomum.

E naquele ano, na nossa festa de véspera de Natal, organizada por Colin, Richard e eu, reunimo-nos em volta do peru e espalhamos nele os últimos grãos do nosso quilo de sal. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Publicidade

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.