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Recuperando o sentido de identidade perdido na guerra

Jovem veterano de guerra americano, que perdeu ambas as pernas em uma explosão, recebeu também um transplante de pênis

Por Denise Grady
Atualização:

BALTIMORE – Em uma operação que durou 14 horas, um jovem veterano de guerra americano, cuja genitália foi destruída por uma bomba, recebeu um extraordinário transplante: pênis, escroto e uma parte da parede abdominal, doados pela família de um homem que acabara de falecer.

A cirurgia, realizada em março no Johns Hopkins Hospital de Baltimore, Maryland, permitiu o maior transplante de pênis até o momento, e o primeiro em um veterano de guerra , mutilado por uma explosão. Já haviam sido feitos outros dois transplantes de pênis bem-sucedidos, mas apenas do órgão. Esta operação transplantou um pedaço de tecido de 25 centímetros por 28, pesando cerca de dois quilogramas.

O paciente, um jovem veterano militar, pediu para não ser identificado por causa do estigma relacionado a ferimentos genitais Foto: Andrew Mangum para The New York Times

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O paciente, que pediu para não ser identificado, perdeu ambas as pernas acima do joelho, mas o mais devastador para ele foi o dano genital. “Por causa desta ferida, tive a sensação de que todo relacionamento estaria proibido para mim”, ele disse. “Como se eu estivesse acabado, e fosse obrigado a ficar sozinho pelo resto da vida. Durante muito tempo tive dificuldade para me ver como um homem”. Mas, quatro semanas após a cirurgia, afirmou, “voltei a me sentir inteiro”.

O dr. W. P. Andrew Lee, chefe da equipe de cirurgia plástica e reconstrutora do Johns Hopkins, disse que o objetivo deste tipo de transplante é “devolver o sentido de identidade e de virilidade à pessoa”. Para a maior parte dos homens, isto significa recuperar a capacidade de urinar em pé e manter relações sexuais.

O dr. Lee acredita que o transplante tornará ambas as coisas possíveis, embora leve tempo. O paciente recuperará antes a capacidade de urinar, daqui a alguns meses. Os nervos continuam crescendo no receptor com o órgão transplantado a uma média de cerca de 2,5 centímetros por mês. “Temos a esperança de poder restaurar a função sexual no que se refere a uma ereção espontânea e ao orgasmo”, ele disse.

Embora o saco escrotal tenha sido transplantado, os testículos do doador foram retirados por razões éticas: sua preservação poderia permitir que o receptor tivesse filhos que pertenceriam geneticamente ao doador do órgão. O receptor não poderá ter filhos biológicos, e a testosterona compensará a falta de testículos.

Depois da explosão, o soldado sabia que estava entrando em estado de choque. Desmaiou no helicóptero que o resgatou. A sua lembrança seguinte é de recuperar a consciência nos Estados Unidos, aliviado por estar vivo. Logo, porém, tomou consciência da gravidade do dano. Um médico militar avisou que seria irreparável.

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Ele se sentiu isolado no meio dos outros soldados feridos. “Esta é uma das primeiras coisas quando eles sofrem uma explosão, verificar lá em baixo, e a reação é sempre: ‘Se perder o sexo, eu me mato’”, ele acrescentou . “Eu sei que falam isto sem nenhuma intenção, mas é a sua virilidade que é afetada”.

Ele afirmou: “se eu pensasse realmente em me matar, pararia e me perguntaria: ‘Vou mesmo me matar por causa do pênis?’” Ele aprendeu a caminhar com próteses nas pernas, saiu do hospital e continuou vivendo sozinho. Quando não precisou mais do OxyContin por causa da dor física, continuou tomando o remédio para entorpecer as emoções.

Também acabou não precisando mais do medicamento; consultou um terapeuta, formou-se na faculdade e começou a fazer planos para cursar medicina.

Em 2012, consultou o dr. Richard J. Redett, diretor de cirurgia plástica e restauradora do Johns Hopkins, a respeito de um procedimento que criaria um pênis com tecido do próprio corpo, possivelmente a pele da parte inferior do seu antebraço. Interessou-se pela cirurgia, mas o dr. Redett falou na possibilidade de um transplante no futuro.

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Então decidiu esperar. Passou por um exaustivo processo de exames. Determinados nervos e veias precisariam estar intactos, juntamente com a uretra. Os candidatos também devem estar em boas condições psicológicas.

Os cirurgiões retiraram vértebras do doador, para fornecer células tronco que seriam transferidas para o receptor a fim de impedir a rejeição. O paciente contou que antes da cirurgia ficou pensando se estaria preparado, mental e emocionalmente, a aceitar partes de outro corpo.

“Eu pensei: será que vou aceitá-lo como se fosse meu?”, ele disse. “Pensava nisto continuamente. Mas , desde que fiz a cirurgia, só o vejo assim. É meu.”

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