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Por dentro da rede

Opinião|Financiamento cruzado não faz sentido na regulação de redes sociais

Não há como abarcar as mudanças que a rede e a informática trouxeram ao mundo de uma maneira generalista

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Foto do author Demi  Getschko
Atualização:

Importamos debates de todo o mundo, como se já não tivéssemos temas em profusão por aqui mesmo. O tema sobre a remuneração cruzada de setores econômicos, normalmente identificado com o rótulo de “fair share”, é mais um dos que se somam às complexas discussões sobre a extensão e a forma adequada para uma legislação sobre plataformas e redes sociais.

Estando eu muitíssimo longe de entender os complexos meandros da economia, meu primeiro espanto é com o que me parece ser uma “inovação”. Não conheço exemplos em que integrantes de uma área de atividade repassem recursos, por lei, diretamente a outra área de atividade.

Não há como abarcar as mudanças que a rede e a informática trouxeram ao mundo de uma maneira generalista Foto: Robin Worrall/Unsplash

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A mim não convence o argumento de que o crescimento vigoroso de um determinado setor exige esforços que não são previstos ou provisionados em outro setor e, portanto, seria necessário um financiamento cruzado. Afinal, cada ramo de atividade econômica demanda seus próprios esforços para se destacar da concorrência e, assim, ganhar mais usuários e crescer. Se não fosse assim, não haveria mais sentido em se manter naquela área. Seria mais prudente buscar outra atividade.

Obviamente, cabe ao governo cobrar os impostos correspondentes aos resultados das empresas de cada área e, examinando o cenário nacional, destiná-los para setores e atividades que demandem suporte ou expansão. A proposta de financiamento cruzado entre áreas de atividade, a meu ver, faz tão pouco sentido como se os fabricantes de eletrodomésticos passassem parte de sua receita aos fabricantes de materiais plásticos, sob o argumento de que “mais plástico foi necessário na fabricação dos eletrodomésticos do que no seu uso”. Afinal, coisas como impostos e a própria conta de luz, existem para buscar esse equilíbrio.

Outro tema quente, o de como tratar “intermediários” na rede, teve um aporte importante com a decisão da corte norte-americana em manter o espírito da seção 230 do “decency act”, de 1996. Claro que muita coisa mudou desde 1996, especialmente com a enorme expansão do chamado “ecossistema digital”, porém essas mudanças devem se refletir em legislação específica e bem definida.

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Não há como abarcar as mudanças que a rede e a informática trouxeram ao mundo de uma maneira generalista. Cada categoria, cada conjunto de ações de um mesmo tipo, deve ser foco de debate próprio, com suas especificidades e peculiaridades eventualmente tratadas em legislação. A nova realidade do mundo em rede deu poder de manifestação e ação a todos, o que reforça que cada um deve ser responsável pelos seus atos. E os que forem apenas canais agnósticos no processo — e pode haver esse papel — deveriam continuar não-responsáveis. Claro, desde que atuem apenas como canais, e se confinem no papel de intermediários canônicos.

Conforme um amigo resumiu numa conversa, o drama é: o que costumávamos chamar de “senso comum” tornou-se raridade – é tudo menos “comum”. De uma poesia do Millôr Fernandes: ... /pois se penso demais/acabo despensando tudo que pensava antes,/e se não penso/fico pensando nisso o tempo todo.

Opinião por Demi Getschko

É engenheiro eletricista

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