Em meio à crise, presidente do Uber tira licença por tempo indeterminado

Travis Kalanick anunciou saída em e-mail para funcionários e não informou prazo para retornar à empresa; Uber vive grave crise de imagem, após série de escândalos

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Foto do author Matheus Mans
Por Claudia Tozzeto , Bruno Capelas e Matheus Mans
Atualização:
Fundador do Uber, Travis Kalanick foi afastado da empresa após investigação de assédio sexual Foto: Bloomberg

O cofundador e presidente executivo do aplicativo de carona paga Uber, Travis Kalanick, acaba de anunciar que vai tirar uma licença da empresa por tempo indeterminado. A saída do executivo, em meio à grave crise de imagem que assola a companhia, foi anunciada em um e-mail para os funcionários enviado na tarde desta terça-feira, 13, e faz parte de uma série de recomendações feitas ao conselho após uma investigação interna que começou por denúncias de assédio sexual na empresa. O Uber realizou no início da tarde uma reunião interna com funcionários para explicar as mudanças. Kalanick não está presente.

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Kalanick afirma, no e-mail enviado por volta de 14h, que deixa a empresa para atravessar o período de luto após a morte de sua mãe em um acidente de barco, no fim de maio. Ainda na carta, ele diz que usará a licença para "refletir, trabalhar em si mesmo e construir um time de liderança de classe mundial". Ele disse que não vai determinar um prazo para retornar à empresa.

"A responsabilidade sobre onde chegamos e como chegamos está nos meus ombros", afirmou Kalanick no e-mail enviado à equipe. "Para que o Uber 2.0 tenha sucesso, não há nada mais importante do que dedicar meu tempo a construir o time de liderança da empresa. Eu também preciso trabalhar no Travis 2.0 para me tornar o líder que essa empresa precisa e que vocês merecem."

Até que Kalanick volte para a empresa, o Uber não terá outro presidente executivo. A empresa pretende contratar um diretor de operações -- a vaga está aberta há alguns meses -- que vai atuar sob supervisão direta do conselho. Em comunicado, a empresa afirmou que o diretor de operações vai atuar como um parceiro do presidente executivo afastado, focando na operação diária do serviço, além da cultura e instituições que fazem parte do Uber.

"Com as mudanças na liderança, o Uber pode fazer as coisas de forma diferente", afirma o diretor de pesquisas da consultoria Gartner, Michael Ramsey, em entrevista ao Estado. "A cultura de uma empresa não muda sem uma liderança no topo. Então, quem substituir os executivos que estão saindo, que tenham a capacidade de fazer as mudanças necessárias na empresa."

Nos últimos meses, o Uber vive uma grave crise. Desde fevereiro, a empresa conduz uma investigação interna sobre a cultura, após denúncias de casos de assédio sexual e moral dentro da companhia. Na semana passada, após o resultado parcial das investigações, mais de 20 funcionários foram demitidos. Os resultados completos da investigação também foram liberados.

Na última segunda-feira, o vice-presidente de negócios – e segundo na linha de comando – Emil Michael deixou a empresa. Muito próximo a Travis Kalanick, Michael estava no Uber desde 2013, e auxiliou a companhia em áreas como fusões e aquisições. No relatório final de Holder, entregue na última semana, era sugerido que Emil Michael saísse da empresa. Atual executivo de desenvolvimento de negócios do Uber, David Richter deve assumir a posição de Michael como vice-presidente sênior de negócios.

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A empresa também tem enfrentado diversos escândalos recentemente, como quando Kalanick discutiu com um motorista do serviço e foi gravado, as revelações que mostraram que o Uber usou um software para evitar a fiscalização pelo governo e a competição do rival Lyft em diversos países. Mais recentemente, há ainda o embate na Justiça com a Waymo, divisão de carros autônomos do Google, sobre um suposto roubo de tecnologia por um executivo do Uber. No Brasil, é importante lembrar, o Uber também passa por uma batalha contra motoristas na Justiça do Trabalho – as decisões divergem até aqui.

Na reunião interna para funcionários do Uber, que terminou por volta de 14h50, estava presente a executiva Arianna Huffington, que é membro do conselho de administração do aplicativo de carona paga. Ela esteve na reunião do conselho no último domingo, na qual foi divulgado o relatório final da investigação. "O conselho precisa de horizontes maiores", disse Arianna, aos funcionários. "Precisamos melhorar processos na área de recursos humanos."

"Estamos com um déficit de reputação e vai demorar algum tempo para sairmos dessa situação", disse outro membro do conselho do Uber, Bill Gurley, durante a reunião. Para especialistas, a empresa terá que se esforçar para alcançar concorrentes, que se destacaram no mercado de aplicativos de transporte. "O Uber buscou um crescimento desmedido e, com isso, começou a perder qualidade e o seu padrão de serviço", afirma o coordenador do centro de estudos em negócios do Insper, Paulo Furquim. "É o momento da empresa se reestabelecer e buscar os seus valores."

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Em entrevista ao Estado, o professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Pedro Zanni, afirma que, com o afastamento de Kalanick, o conselho passará a ter mais voz no Uber. "Com um presidente tão forte no comando da empresa, o conselho de administração quase não consegue exercer suas funções por completo", diz o professor. "Todas as cartas era dadas por Kalanick."

Segundo Zanni, o afastamento do executivo foi uma decisão razoável e, agora, o conselho de administração precisa avaliar em que medida ela será efetiva para as mudanças na empresa. "A história ainda não acabou. O caso deve continuar a ser investigado e, em último caso, Kalanick deve ser afastado em definitivo."

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