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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Guerra da Ucrânia une sites da esquerda brasileira e da extrema-direita americana

Quando a percepção da realidade é manipulável, democracias se dissolvem

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Putin unifica lados políticos com Guerra na Ucrânia Foto: Mikhail Klimentyev / AFP

Fossem apenas os militantes de redes sociais, seria menos grave. Mas o fato de que, nas últimas semanas, a imprensa de esquerda na internet brasileira incorporou à sua pauta a desinformação russa deveria preocupar a todos. Pode não ser óbvio, mas é a democracia brasileira que é posta em risco.

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A desinformação cumpre um ciclo para que ponha em xeque democracias. Atinge primeiro aquelas pessoas com maior tendência a adotar teorias conspiratórias, que se agrupam como seita nas redes. No segundo momento, veículos noticiosos percebem ali um público fiel potencial e começam a reverberar as informações falsas.

Quando fez explodir o número de fontes de notícias, a internet criou variedade mas também desorientação. Sem entender bem em quem confiar, muitos passaram a usar como bússola a busca por veículos que confirmam suas visões. E muitos veículos escolheram por alimentar isso. 

A ameaça à democracia se concretiza quando os políticos entram no jogo. Com os veículos preferidos de seus eleitores repetindo uma mesma versão dos fatos, parlamentares e candidatos se sentem obrigados a adotar as teses.

Foi isto que aconteceu na direita de inúmeros países, incluindo o Brasil. Foi este processo que criou um universo paralelo descolado da realidade que levou ao QAnon americano e pôs no Planalto Jair Bolsonaro. E é inacreditável que, hoje, quem lê os principais sites da esquerda brasileira encontrará a mesmas teses sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia que estão nos sites da extrema-direita americana.

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Para repetir o discurso pró-Putin, a dissonância cognitiva necessária é imensa. É preciso deixar de lado tudo o que a esquerda latino-americana defendeu nos últimos 50 anos.

O presidente russo argumenta que o povo ucraniano não existe, que é uma invenção recente. O fato de que Kiev tem 600 anos mais do que Moscou, claro, é detalhe. É o mesmo argumento que a extrema-direita israelense usa a respeito dos palestinos – são um povo que “não existe”.

O argumento realista de política externa, que considera inevitável que potências militares invadam seus vizinhos, é outro problema. Este é o argumento de Henry Kissinger para defender a política que auxiliou inúmeras ditaduras militares nos anos 1960 e 70.

No Brasil, já perdemos para a realidade paralela um pedaço da direita. Se os políticos de esquerda embarcarem na onda de seus militantes e jornalistas, perderemos um naco da esquerda. Quando a percepção da realidade é manipulável, democracias se dissolvem.

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