Aborto volta à pauta após defesa de legalização pelo CFM

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Por ESTEBAN ISRAEL
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A polêmica sobre a legalização do aborto voltou à pauta nesta quinta-feira após o Conselho Federal de Medicina (CFM) defender a possibilidade de interromper a gravidez nas 12 primeiras semanas de gestação. A volta da discussão sobre o aborto, que teve papel importante na campanha presidencial de 2010, pode também se tornar uma das primeiras dores de cabeça do pontificado do papa Francisco, o primeiro pontífice latino-americano da história que virá ao Brasil na metade do ano para a Jornada Mundial da Juventude. O CFM, que representa 400 mil médicos no maior país católico do mundo, defendeu a opção da mulher de interromper uma gravidez de até três meses em nota divulgada nesta quinta, o que provocou uma reação imediata da Igreja Católica. "Estamos dizendo que a mulher brasileira não merece ser considerada uma criminosa se decide interromper sua gravidez", disse Jecé Brandão, membro do CFM. "É uma questão de saúde, séria e inadiável", acrescentou ele em entrevista por telefone. A proposta dos médicos representa um avanço dramático no debate sobre o aborto no país, uma vez que a interrupção da gravidez é proibida, exceto em casos de estupro, de risco para a vida da mãe ou no caso de o feto apresentar danos cerebrais graves. No ano passado o aborto foi legalizado no Uruguai, que também está discutindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, um outro pesadelo para a Igreja. A descriminilização do aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez está sendo discutida no Senado brasileiro como parte de uma reforma no Código Penal de 1940. Diferentemente do que ocorreu no Uruguai, no entanto, a medida não conta com apoio explícito das autoridades. A presidente Dilma Rousseff não defende o aborto, mas já declarou que considera a questão "um problema de saúde pública". Assim como acontece em outras nações em desenvolvimento onde o aborto é ilegal, as brasileiras mais pobres acabam interrompendo a gravidez em condições precárias, que colocam em risco a sua saúde. "Não podemos ignorar uma prática que chega a 1 milhão de abortos, dos quais 230 mil terminam em complicações e derivam em internações", disse Brandão, do CFM. Um estudo realizado em 2010 pela Universidade de Brasília revelou que 20 por cento das mulheres brasileiras de 40 anos haviam abortado e 55 por cento acabaram hospitalizadas por conta de complicações como infecções e hemorragias. "Isso mostra que a prática do aborto é muito comum, mas é tratada como um crime", disse o autor do estudo, o sociólogo Marcelo Medeiros. "Não se pode colocar uma em cada cinco mulheres do Brasil na cadeia. É ridículo." DESAFIO PARA O PAPA O Brasil, com cerca de 123 milhões de fiéis, é o maior país católico do mundo e a resposta da Igreja à manifestação do CFM não demorou. "Essa decisão tem um poder deseducativo", disse o monsenhor João Carlos Pretini, presidente da Comissão de Família e Vida da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "O embrião é um ser vivo, que tem direitos." "Hoje o Brasil inteiro está discutindo este tema. Até as crianças estão participando deste debate", acrescentou ele durante uma entrevista por telefone desde Salvador. E a Igreja não quer esta discussão nas capas de jornais quando o papa Francisco chegar ao país em julho, em sua primeira viagem internacional desde sua eleição neste mês, para participar da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. A eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como novo líder da Igreja busca revigorar o catolicismo na América Latina, onde vivem 40 por cento dos católicos do mundo, mas também onde crescem os cultos evangélicos e o secularismo. "Certamente isto ilustra os desafios que existem na região", disse Petrini. Os bispos brasileiros criticaram no ano passado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o aborto em caso de fetos com anencefalia, uma grave má formação que leva a maioria dos bebês a morrer depois do parto. Em 2009 religiosos do país provocaram uma polêmica ao decidir excomungar dois médicos que optaram por realizar um aborto em uma menina de 9 anos que havia sido estuprada pelo padrasto e que corria risco de morrer.

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