PUBLICIDADE

Análise - Implicações do fechamento da prisão em Guantánamo

Texto publicado originalmente no Estadão Noite

Por Alfredo Juan Guevara Martinez
Atualização:

A decisão do presidente Obama de fechar a prisão na base de Guantánamo, sediada em Cuba, vem logo após o anúncio da visita que fará a Havana ainda em março de 2016. Porém, os dois temas não estão diretamente relacionados: a questão da normalização com Cuba é uma agenda específica, e o fechamento da prisão em Guantánamo, nas palavras de Obama, está relacionado com o encerramento de um capítulo tumultuado da história dos Estados Unidos. Mas será mesmo? Guantánamo, antes de prisão, é uma base militar dos Estados Unidos desde 1903, sediada no extremo oriente de Cuba. O espaço, teoricamente, era alugado para os Estados Unidos, em acordo que remonta à emenda Platt de 1902, instituída logo após a independência da ilha. Ela garantia aos Estados Unidos a função de 'tutela' política e militar sob o novo governo independente cubano, e sua implementação foi herança da participação que os Estados Unidos tiveram na guerra de independência hispano-americana, que culminou na independência de Cuba. Obviamente, a emenda Platt não é mais válida na constituição cubana desde a década de 1940, porém o contrato de 'leasing' para a base de Guantánamo permaneceu (a muito contragosto do governo cubano após a Revolução de 1959).  A base militar passou a ser utilizada como prisão, especialmente após o início da Guerra ao Terror durante os anos do governo de Bush filho, e se tornou um símbolo de até que ponto de hostilidade os Estados Unidos podem chegar quando se sentem ameaçados. A prisão de Guantánamo sediou episódios lamentáveis de tortura e violações dos direitos humanos, que vão contra uma parte fundamental da retórica ideológica estadunidense. É esse o capítulo escuro da história estadunidense ao qual Obama se refere. Fechar a prisão representa uma nova fase na Guerra ao Terror estadunidense, pois significa que, na teoria, não são mais válidos quaisquer meios para neutralizar as ameaças terroristas. Do ponto de vista político, a ação que o presidente está tentando executar primeiro remonta às suas promessas de campanha feitas em 2008. A administração de Obama representava uma mudança completa da administração anterior de Bush e parte disso era, de fato, um novo tratamento à Guerra ao Terror, que incluía o fechamento da prisão de Guantánamo. Também há de se pensar que o último ano da gestão de Obama é a oportunidade para que o presidente deixe seu legado, não só com os Estados Unidos, mas com o mundo. Quanto ao vínculo do fechamento da prisão com a normalização com Cuba, é necessário identificar que o fechamento da prisão não implica necessariamente no fechamento da base militar. Porém, simbolicamente, a retirada de uma prisão destinada a terroristas da ilha está em consonância com a dissociação que Obama fez de Cuba com a Guerra ao Terror, ao remover o país da lista de países que patrocinam o terrorismo. Isso dá margem para que se vislumbrem duas possibilidades para o futuro: a base militar apenas como base pode vir a representar as boas relações entre os dois países e/ou pode servir como moeda de barganha para posteriores negociações com Cuba. Contudo, infelizmente, o fechamento da prisão não implica que a Guerra ao Terror necessariamente entra em uma fase mais 'pacífica'. Na verdade, a próxima gestão presidencial deve enfrentar os crescentes problemas no Oriente Médio com o Estado Islâmico na Síria. Além disso, há de se considerar que a iniciativa de Obama já apresenta oposição vocal dentro do Congresso, não havendo garantias que a utilização da base como prisão será realmente encerrada, assim como esse capítulo da história dos Estados Unidos.

* Alfredo Juan Guevara Martinez é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI - Unesp)