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Ferrovia Perus-Pirapora reabre para passeio turístico

Por Marcelo Galli
Atualização:

Inativa desde o início da década de 1980, parte da Estrada de Ferro Perus-Pirapora (EFPP), na zona norte da capital paulista, voltou a funcionar recentemente para passeios turísticos. O projeto é de responsabilidade do Instituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Cultural (IFPPC), associação sem fins lucrativos que desde 2001 cuida da revitalização da antiga ferrovia, a única de bitola pequena em funcionamento no Brasil atualmente, e de seu material rodante. A sua história está associada ao início da construção dos arranha-céus da metrópole nascente na década de 1930 porque servia à fábrica de cimentos que se estabeleceu no bairro.O passeio, com extensão de seis quilômetros (ida e volta), tem duração de cerca de 10 minutos, custa R$ 5 e tem três saídas por domingo a partir de um ponto na Estrada da Pedreira. O trecho margeia o Rio Juqueri e passa ao lado do Parque Anhanguera. Segundo o presidente da IFPPC, Paulo Rodrigues, o passeio do trem movido a vapor atrai um público curioso: o saudosista que vivenciou a época do trem como meio de transporte para longas distâncias e a nova geração que não conheceu, mas se interessa e pesquisa sobre o tema.Ele cita o caso de um garoto de 12 anos que sempre vai ao local acompanhar os trabalhos de manutenção da via e dos carros e locomotivas. Morador de Osasco, Edison Pedro Toniolo levou o filho de sete anos, Pedro Henrique, para o passeio porque ele gosta de brincar com um programa de simulador de trem no computador de casa. Ele gostaria que o filho tivesse um contato real com as máquinas. Toniolo conta que ficou sabendo do projeto por meio de um companheiro de trabalho que atua como voluntário para a IFPPC. "Achei legal o passeio, o que me impressionou foi ver uma Maria Fumaça que não funciona a carvão", diz Pedro Henrique, se referido ao simulador virtual. O combustível da locomotiva do passeio, a nº 2, de origem francesa, é lenha de eucalipto e vapor d''água.Rodrigues explica que o acervo da IFPPC é singular porque reúne material de outras 10 estradas de ferro brasileiras da primeira metade do século 20, entre estas a Douradense, a Companhia Paulista, a Cantareira Tramway, da Usina Monte Alegre e da fazenda do Santos Dumont. As máquinas foram sendo compradas ao logo do tempo pela Perus-Pirapora à medida que eram descartadas pelas proprietárias originais. "Mantemos a história viva da Perus-Pirapora e de outras ferrovias", diz. "Quando restaurarmos a 17 e a 10, não queremos deixá-la como Perus-Pirapora ou Companhia Brasileira de Cimento Portland, queremos recuperar como Tramway da Cantareira", exemplifica.O acervo da estrada de ferro, parte dele armazenado na cidade de Cajamar, é patrimônio histórico tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), órgão ligado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. A concessão do título foi feita em 1987.FãsSegundo Rodrigues, devido ao numeroso grupo de aficionados pela EFPP existente no exterior, há atualmente uma lista sendo divulgada nos Estados Unidos, Canadá e Europa para ajudar a recuperar a locomotiva de origem estadunidense número 17, que vai completar 100 anos em dezembro deste ano, conhecida como Adoniran Barbosa, em referência ao famoso samba do paulista. "Recebi recentemente o projeto dela em 3D feito por um australiano a partir de fotos antigas da máquina e informações que ele conseguiu no museu da fábrica nos Estados Unidos", conta.A locomotiva mais antiga do acervo, a número 1, também de origem estadunidense e ainda não restaurada, foi construída há 115 anos. Outra preciosidade é um trem alemão movido a diesel, restaurado recentemente, e que exibe no pátio da ferrovia uma cor verde-amarela vibrante. Rodrigues diz que a máquina é a mais antiga da sua categoria em funcionamento no Brasil.Além do trabalho de recuperação das máquinas, os trilhos da Perus-Pirapora estão passando por um processo de revitalização em alguns pontos da extensão prevista no contrato de concessão em comodato por 50 anos, com a possibilidade de renovação, entre o proprietário, herdeiros do grupo empresarial JJ Abdalla, e a ONG.O trecho inicia logo após a estação Perus da antiga São Paulo Railway e termina no km 17, no bairro Gato Preto, no município de Cajamar. Apesar do nome, a linha férrea nunca chegou a Pirapora. O destino final se justificou pelo apelo político na época da sua concessão, em 1910, também para atender ao transporte de romeiros até a cidade. Os voluntários cortaram o mato que atrapalhava o caminho e cresceu para dentro do caminho dos trilhos, substituíram trechos destes que estavam danificados e trocaram dormentes.Para completar esse trabalho, se não houver percalços, faltam 3,8 km de linha. De acordo com o vice-presidente da IFPPC, Nelson Camargo, já houve até furtos de trilhos. "Os ladrões cortam o ferro em pedaços e levam embora. Se não tomarmos cuidado e limparmos, corremos o risco de sermos furtados novamente", avalia. Ele cita como um dos obstáculos a ser vencido o desmoronamento de um barranco em trecho da ferrovia, que deixou cerca de 4,5 metros de linha suspensa.HistóriaNelson Camargo é morador do bairro de Perus e a história da sua família está ligada à da estrada: o avô ajudou a construí-la, o tio foi maquinista e o pai trabalhou na fábrica de cimento local. Entre 1968 e 1970, o hoje dono de uma pequena gráfica no bairro foi maquinista noturno da Santos-Jundiaí.O foguista da locomotiva Jair Guidini também tem ligações antigas com a EFPP. O irmão dele era capataz do parque e Jair e sua família, que moravam na zona leste da capital, passavam o final de semana na casa do parente que ficava perto de um trecho da linha. Ele conta que tinha sete anos quando andava e brincava pelos trilhos e subia em cima dos carros carregados de pedra. Com a morte do tio, parou de ir ao local. "Fiquei sabendo do projeto muitos anos depois por meio do meu filho, que é o maquinista hoje da Perus-Pirapora", diz."Por isso que falo que esse é um negócio de filho para pai", brinca Leandro Guidini, que está no instituto desde 2004 e já foi maquinista do trem a vapor turístico da Vale que faz o percurso entre Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais. Apaixonado desde a infância por locomotivas de bitola estreita, ele é um dos poucos contratados da ONG.Jair diz que sempre leva sementes, e ofereceu à reportagem um punhado de semente de pinhão, abricó, jabuticaba, limão siciliano e acerola para jogar na mata ao longo do caminho do trem a partir da cabine do maquinista. O repórter aqui também fez soar o apito para a saída da composição do ponto de partida do passeio!BairroO restaurador e diretor de projeto do instituto, Júlio Moraes, adianta que há planos para a construção de estações temáticas ao longo da estrada para enriquecer o passeio e ampliar o alcance do processo de musealização em curso atualmente no local, chegando ao conceito que ele chama de ecomuseu. "A estação natureza abordará o meio ambiente da região, como era e como está hoje, sua característica geográfica, botânica etc. Uma outra vai se chamar ecologia e tratará da preservação do meio ambiente. E uma terceira sobre tecnologia, que desenvolverá a questão do convívio entre máquina e ambiente, o que foi no passado e o que pode ser no futuro", explica.Moraes chama a atenção para a importância do envolvimento da comunidade no projeto - cerca de 70% dos 30 voluntários hoje são do próprio bairro - e a conscientização de que aquele é importante para o desenvolvimento de Perus. Conforme o Atlas do Trabalho de Desenvolvimento da Cidade de São Paulo, levantamento publicado em 2007, o bairro apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0,772, considerado médio, aparecendo em 83º lugar na lista de bairros da capital paulista em um total de 96 distritos. O índice leva em conta riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida e natalidade.O presidente da IFPPC enxerga na retomada da ferrovia a possibilidade de transformar o bairro. "É um local estereotipado, marcado pelo pó de cimento, a poluição, a vala comum da época da ditadura, o lixão", analisa. "Entendo que o projeto pode dar outro caráter para Perus, levar pessoas de outras localidades para lá, gerar empregos e renda", acrescentou Rodrigues. Nascido em Brasília, ele mora em Perus desde meados da década de 1980.ServiçoInstituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Culturalhttp://www.peruspirapora.blogspot.com/Telefones (11) 3917-0088 e 2876-2774Passeios somente com agendamento

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