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Karaokê para todos

Conhecido por sua timidez, o povo japonês criou uma diversão cujo objetivo é ficar no centro das atenções

Por Jones Rossi
Atualização:

Terça-feira, 21 horas. A Rua da Glória, na Liberdade, está praticamente vazia. Uma leve garoa cai sobre o paletó de dois seguranças que ficam à porta da Chopperia Liberdade, que em pouco mais de cinco anos de existência se tornou um dos principais points do karaokê em São Paulo. Mesmo em um dia com tantos motivos para ficar em casa, cerca de 200 pessoas quase lotam a casa em busca de diversão, o que significa cantar ao menos uma vez na frente de dezenas de estranhos.   O karaokê é fruto de uma aparente contradição. Conhecido por sua timidez, o povo japonês criou uma diversão cujo objetivo é ficar no centro das atenções, nem que seja pelo curto período de duração de uma música. "O japonês sente-se bem quando segura o microfone e fica em destaque", entrega Cristina Maki Endo, de 37 anos, professora do idioma e organizadora do campeonato Caravana do Karaokê, realizado em sete capitais brasileiras, com final em São Paulo.   Como conhecemos atualmente, o karaokê foi criado nos anos 70, por um músico chamado Daisuke Inoue. Baterista de um bar em Kobe, ele inventou a máquina que ajudou a popularizar o hábito japonês de cantar em público. Karaokê significa "orquestra vazia", nome poético para um aparelho que toca a melodia da música, para que o aspirante a cantor possa acompanhar.   Na Chopperia Liberdade, o que existe já é uma evolução do karaokê, o videokê, no qual um telão exibe a letra das canções. Por orientação da gerência da casa, a máquina não dá nota ao fim da cantoria. "Para não deixar ninguém triste", explica a hostess Eiko Harada, de 53 anos, mais conhecida como Mama San.   Fazem sucesso músicas dos anos 80, de Xuxa a Roberto Carlos, passando por RPM e Rosana. Pouco antes da meia-noite, a fila para cantar demorava quase 40 minutos - a casa "vende", em média, 150 músicas por noite, a R$ 2 cada. "Depois de beber um pouco, todo mundo vai lá cantar. Acho que é para extravasar o stress do dia-a-dia", opina Murilo Anno, de 22.   Mama San, que imigrou de Nagasaki aos 6 anos, enumera os famosos que já passaram pela choperia. "Eddie Motta, Léo Jaime e Supla", diz. "A Marta Suplicy já veio aqui com as amigas."   O fenômeno   A União Paulista dos Karaokês (UPK) reúne 250 associações no Estado, 130 na Grande São Paulo. Estamos falando em 10 mil cantores de karaokê, segundo Luis Yuki, presidente da UPK. Os filiados, diz ele, não são casas como a Chopperia, mas associações de imigrantes. Nesse caso, trata-se de um karaokê mais antigo, surgido após a Segunda Guerra. Como muitos perderam parentes, adquiriram o hábito de ligar o rádio e cantar para espantar a tristeza. Assim nasceu a música enka.   Campeonato   Essa e outras histórias vieram à tona na manhã do feriado do Dia do Trabalho, no palco da Associação Shizuoka Kenjin, em São Paulo. Usando roupas formais - homens de terno e mulheres de vestido longo ou quimono -, centenas de idosos se revezaram no microfone durante o 17.º Taikai Doyo Kai, torneio de karaokê no qual predomina a música enka.   O competidores são avaliados em quesitos como ritmo, afinação e sustentação. O sistema é o tradicional: os cantores decoram a letra e seguem a melodia. "Se errar a letra, a nota vai para zero", diz Masashi Uemura, presidente do torneio. Ele compara a enka à música sertaneja brasileira.   Na linha bem tradicional, Tomiko Tamaoki, de 76 anos, encantou o público ao cantar Meighetsu Akaguyama, que significa algo como Luar do Vilarejo, música dos tempos dos samurais. O segredo do sucesso? Dedicação. Ela faz aulas de karaokê na associação.   Embora houvesse pouca gente com menos de 50 anos no torneio, o karaokê cantado em japonês está sendo descoberto pelos mais novos. "O jovem quer cantar a música que ele escuta no animê", diz Cristina Endo. Marcelo Hayashi, de 23 anos, neto de Tomiko, confirma: "A gente canta J-Pop (música pop japonesa)."   Mas o enka não perdeu a batalha. "No Japão, há artistas jovens que se dedicam ao enka", diz Cristina. Essa nova onda é capitaneada por Jero, um americano com jeito de cantor de rap que aprendeu o gênero com a avó japonesa. Logo, não se espante se, da próxima vez que for a um karaokê, você ouvir uma música no estilo sertanejo japonês, em vez de Como uma Deusa.

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