MEC considera vazamento do tema da redação do Enem um caso isolado

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Por Rafael Moraes Moura , BRASÍLIA Tiago Décimo e SALVADOR
Atualização:

Um dia após a Polícia Federal ter indiciado dois professores pelo vazamento do tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, o Ministério da Educação (MEC) afirmou ontem que não vê indícios de que tenha ocorrido a divulgação. O ministério manteve para 15 de dezembro a reaplicação parcial do exame, só para os casos que constam nas atas das salas onde as provas foram feitas."O sigilo do tema da redação foi mantido, uma vez que a professora indiciada pela Polícia Federal repassou o título de um dos textos motivadores: "O que é o trabalho escravo". O tema da prova era "O trabalho na construção da dignidade humana"", afirmou o ministério, em nota. Para professores e estudantes da região de Petrolina (PE), onde, segundo a PF, teria ocorrido o vazamento, a situação é diferente: eles acreditam que o caso não foi isolado e mais alunos tiveram acesso a outras partes da prova antes de sua realização.A própria investigação da PF dá margem a especulações. Segundo o delegado Márcio Alberto Gomes, um caderno especial de questões - chamado caderno ampliado (feito em dimensões maiores que os entregues aos estudantes) - foi violado pela coordenação de aplicação da prova no Colégio Ruy Barbosa, em Remanso (BA), cerca de duas horas antes do início da prova. Segundo a PF, o caderno deveria ser aberto apenas se algum aluno tivesse dificuldade de ler alguma questão por causa do tamanho reduzido das letras. "Havia mais de dez fiscais de prova no local onde o caderno foi aberto e alguns folhearam a prova antes do exame", diz Gomes. A PF afirma que um desses fiscais, Marenilde de Brito Affonso, professora do mesmo colégio, vazou o tema da redação, passando a informação para o marido, Eduardo Ferreira Affonso, também professor. Affonso fez uma pesquisa na internet sobre o tema e, depois, ligou para o filho, Eduardo Ferreira Affonso Júnior, de 21 anos, que prestava o Enem em Petrolina, para informar o que havia descoberto. O estudante procurou professores do cursinho onde estuda, o Colégio Geo. Disse que o tema era trabalho e escravidão e perguntou como a redação deveria ser escrita. O boato se espalhou rapidamente pelos locais de prova da cidade. Quando houve a confirmação de que o tema citado por Eduardo tinha relação com o da prova e que um dos textos de apoio era sobre trabalho e escravidão, o professor Marcos Antonio Freitas de Paula denunciou o vazamento à imprensa. A PF, então, iniciou a investigação."Nós tivemos a coragem de denunciar, mas quantos não tiveram?", questiona o professor. "Não importa se um aluno ou cem foram beneficiados. O que importa é que está provado, mais uma vez, que o sistema é falho", afirma De Paula.A diretora do cursinho pré-vestibular Tema, Vera Lúcia Medeiros, é enfática. "Acredito piamente que houve mais casos de vazamento, por vários relatos que recebemos." Ela aponta um exemplo: outro estudante de Remanso, de 17 anos, que frequentou o cursinho dirigido por ela, acertou 172 das 180 questões - e gabou-se do resultado nos dias seguintes. "O desempenho dele antes da prova não indicava esse resultado." Segundo o delegado, não é possível dizer se houve outros vazamentos.Indiciamento. A PF indiciou o casal por violação de sigilo funcional qualificado (por ter causado prejuízo à administração pública e a outras pessoas), crime cuja pena pode ir até seis anos de prisão. Segundo a secretária de Educação de Remanso, Veraneide Almeida, os dois têm pelo menos 15 anos de magistério. "Não dá para entender um fato desses." Eduardo, que há três anos tenta entrar em Medicina, não foi indiciado, mas teve a prova desclassificada. A família não foi encontrada para se manifestar.PARA LEMBRAREm 2009, prova foi cancelada depois de vazarNo ano passado, o vazamento da prova do Enem, revelado pelo Estado em 1.º de outubro, provocou o adiamento do exame para dezembro. Houve alterações no calendário do processo seletivo das universidades federais e algumas das mais prestigiadas instituições de ensino superior do País - como USP, Unicamp e PUC-SP - desistiram de utilizar o resultado da prova como parte do vestibular. Mais de 1,5 milhão de alunos deixaram de fazer o Enem em dezembro. O início das matrículas em universidades federais pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu) começou em fevereiro. Muitas acabaram atrasando o início das aulas.

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