No futebol, um “cavalo paraguaio” é aquele time que dispara na liderança no começo do campeonato, mas não tem fôlego para brigar pelo título – e, não raro, acaba tendo que lutar contra o rebaixamento. Pois o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima das expectativas, que tanto animou o governo Lula da Silva, tem todo o jeitão de “cavalo paraguaio”, conforme coincidem analistas do mercado financeiro e economistas. O mercado passou a apostar que o Banco Central (BC) vai iniciar um novo ciclo de aumento dos juros, enquanto economistas demonstraram receio sobre a sustentabilidade desses resultados no médio e longo prazos.
Para o governo, tudo não passa de pessimismo exagerado, para não dizer uma torcida contra o País. Seria útil, no entanto, entender os motivos que levaram operadores e especialistas a convergir em suas análises. Não há nada de errado em crescer mais, desde que o País tenha capacidade para tal. Não parece ser o caso.
O desempenho da economia, de fato, surpreendeu todos no segundo trimestre. A maioria esperava uma elevação de 0,9%, mas o PIB registrou um aumento de 1,4% ante o segundo trimestre do ano passado, o que levou bancos, consultorias e corretoras a ajustar expectativas para o crescimento deste ano e deixá-las mais próximas dos 3%.
Seria um resultado muito positivo, não fosse o fato de que as estimativas para a inflação no Boletim Focus sobem há oito semanas consecutivas. O IPCA acumulado em 12 meses está em 4,28%, bem mais próximo do teto do que do centro da meta, de 3%.
Houve, em agosto, a primeira deflação no ano, mas o recuo nos preços foi pontual e de apenas 0,02%. As contas de luz estavam com a bandeira verde, mas desde 1.º de setembro elas estão com a bandeira vermelha nível um, e assim devem permanecer até o fim do ano.
O governo alega que esse crescimento não traz qualquer risco inflacionário, pois os investimentos aumentaram – 2,1% ante o primeiro trimestre e 5,7% em relação ao segundo trimestre do ano passado – e atingiram o melhor resultado desde 2015. É verdade, mas, ainda assim, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o principal indicador de investimento na produção, foi de apenas 16,8% do PIB.
Não é segredo para ninguém: os países que crescem mais e de maneira mais consistente são os que investem mais. No Brasil, no entanto, esse indicador permaneceu consistentemente abaixo de 20% nos últimos dez anos, diferentemente do registrado pela maioria dos membros do G-20 no mesmo período. Manter um crescimento de 3% requer que essa taxa se situe entre 20% e 25%, no mínimo.
Se, de um lado, o nível de investimento continua baixo, de outro, a inflação tem consistentemente resistido a se manter na meta. Não é por acaso que muitos economistas têm dúvidas sobre a qualidade do crescimento econômico, muito dependente do consumo das famílias e dos gastos do governo.
A convite do Estadão, vários deles apontaram os possíveis ganhos estruturais que a economia brasileira teve nos últimos anos após a aprovação de diversas reformas, cujos impactos ainda não podem ser mensurados no PIB. Outros fatores conjunturais, no entanto, seguramente aqueceram a demanda nos últimos meses, como a antecipação do pagamento dos precatórios e do 13.º salário dos aposentados do INSS e a concessão de reajustes ao funcionalismo.
Para Armando Castelar, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, o ritmo e o perfil do crescimento econômico dos últimos três anos mostram que “é preciso desacelerar”. Com uma marcha um pouco mais lenta, o País poderia se desenvolver a partir de bases mais sólidas.
O governo ajudaria a aumentar a potência da política monetária se fizesse sua parte e contivesse seus gastos. Mas o mercado não acredita nessa hipótese e já projeta que a Selic sairá dos atuais 10,5% ao ano para 11,5% no fim de janeiro – ou seja, o BC terá de fazer todo o trabalho sozinho.
Não é por picuinha que os analistas de mercado e os economistas esperam uma taxa de juros mais elevada. Trata-se de maneira mais efetiva de conter a inflação e frear a economia, ainda que à custa dos investimentos que poderiam tornar o crescimento mais perene, como todos – não só o governo – gostariam.