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A banalidade do impeachment

Sem provas, republicanos abrem processo para desgastar o presidente Joe Biden antes da eleição

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Por Notas & Informações
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A Constituição dos Estados Unidos dá ao Congresso a prerrogativa de afastar autoridades federais por meio de processos de impeachment, se constatados crimes como traição e corrupção, entre outros. Até que Bill Clinton fosse processado, em 1998, apenas um presidente americano havia sofrido impeachment (Andrew Johnson, 1868). De Clinton para cá, o instrumento drástico aparentemente banalizou-se – a ponto de Donald Trump conseguir a façanha de sofrer impeachment duas vezes. Em todos os casos, os presidentes foram absolvidos no Senado, mas ficou claro que o impeachment – que, como bem disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, “é como bomba atômica, existe para não ser usada” – se tornou arma convencional nos EUA para a oposição fustigar o presidente.

O fustigado da vez é Joe Biden. Dominada pela oposição republicana, a Câmara dos EUA aprovou a abertura de um processo de impeachment contra o presidente democrata no último dia 13. Até o momento, não há evidências de crime ou má conduta de Biden que justifiquem o afastamento, mas isso aparentemente é irrelevante. Na sessão de votação, a força descomunal dos republicanos mais radicais, fiéis a Trump, arrastou os votos dos moderados e superou a minoria democrata.

Bem sabem os republicanos que o processo é natimorto, pois é improvável que prospere no Senado, controlado pelos democratas. Mas isso não é relevante para a oposição, cujo único objetivo é desgastar a imagem do rival de Trump na disputa presidencial do ano que vem. Neste seu segundo round com Biden, nada melhor para Trump que submeter seu adversário ao calvário de uma investigação por suposta corrupção e alimentar sua propaganda eleitoral com qualquer vestígio – infundado ou não – de culpa.

O caso, em si, mostra-se tão frouxo como em 2022, quando não prosperou por falta de provas. Biden é suspeito de ter favorecido os negócios de seu filho Hunter, um ex-integrante dos conselhos de administração de empresas da Ucrânia e da China com pendências com a Receita Federal americana, e se beneficiado deles. Como governante, alegam seus detratores, o presidente teria mentido e obstruído as investigações de dois comitês da Câmara que, por esse motivo, não encontraram as provas esperadas.

Para quem vive de fabricar desinformação, o fato de que as acusações contra Biden carecem até agora de provas não tem a menor importância. Tudo o que importa é elaborar teorias da conspiração que reforcem o acervo de mentiras que Trump e seus associados criaram para tentar deslegitimar a vitória de Biden e seu governo.

Como provavelmente Biden será absolvido, é certo que os republicanos trumpistas usarão esse desfecho como mais uma “evidência” de que o adversário democrata é favorecido pelo establishment político e judicial, contra o qual supostamente Trump se insurge. E assim a política americana seguirá contaminada por uma polarização fabricada pelos inimigos da democracia.