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A boiada assombra

Pauta de retrocessos ambientais avança e fragiliza negócios sustentáveis

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Por Notas & Informações
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Corria o mês de abril e uma polêmica reunião interministerial, quatro anos atrás, quando o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse a célebre frase que se transformaria em símbolo dos retrocessos promovidos por ele e pelo presidente Jair Bolsonaro na área ambiental: era hora, sugeria Salles, de o governo aproveitar que os olhos da imprensa estavam voltados à pandemia de covid para “ir passando a boiada e mudando o regramento”. Passou o governo, mas ficou no Congresso o espírito bolsonarista, com seu radicalismo isolacionista e negacionista. Basta ver os sinais de que há uma boiada passando na Câmara: pelo menos seis projetos abrem a porteira do desmatamento e promovem novos retrocessos onde há avanços no País.

Um desses projetos – aprovado no fim de março na Comissão de Constituição e Justiça e cuja tramitação pode levá-lo diretamente ao Senado – altera o Código Florestal para permitir a exploração de vegetações nativas predominantemente não florestais em todos os biomas brasileiros. O mesmo texto inclui um dispositivo conflitante com a Lei da Mata Atlântica, facilitando regras para a regularização ambiental de imóveis rurais. Outros projetos flexibilizam as Áreas de Preservação Permanente, as APPs, e medidas de prevenção a incêndios em áreas rurais, além de legalizar o garimpo em reservas extrativistas, entre outros pontos.

O Brasil tem uma legislação ambiental avançada, índices de preservação elevados, uma matriz energética das mais limpas e um agronegócio produtivo e sustentável. Esteve longe, portanto, da condição de pária ambiental, como muitos previam e temiam – mesmo antes de Bolsonaro deixar o poder. O Código Florestal, que pode sofrer abalo agora, tornou-se referência internacional ao estabelecer metas e instrumentos de preservação ambiciosos e inovadores. Com décadas de investimento em tecnologia e produtividade, o agronegócio brasileiro abastece uma parte considerável do mundo, mesmo usando só 8% do território nacional para cultivo e 18% para pastagem. Por força das exigências legais, cerca de 30% das terras brasileiras são preservadas pelos próprios produtores rurais, às suas expensas.

Todos esses atributos não podem ser desperdiçados por setores que não se deram conta de que a questão ambiental é parte do presente e do futuro dos negócios, das empresas e do País. Basta lembrar que dois temas se tornaram objeto de regras bastante restritivas para os investidores globais de longo prazo: corrupção e meio ambiente. Convém evitar catastrofismos, mas o fato é que, sem ações efetivas de controle da supressão da vegetação nativa, por exemplo, não é possível cumprir acordos internacionais, como os assumidos em Davos e na Conferência do Clima das Nações Unidas, como a meta de desmatamento zero.

Se deixar que os projetos avancem, o Congresso ajudará a provocar danos não apenas na imagem, como também nas finanças nacionais – e nas possibilidades de uma sustentabilidade duradoura e resistente às mudanças globais. Eis por que a boiada ainda assombra.