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A chance do Brasil

Oferta da UE para investimento em hidrogênio verde no Brasil mostra o grande potencial do País na corrida pela produção de energia limpa e eficiente, que hoje mobiliza o planeta

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Por Notas & Informações
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O anúncio da presidente da União Europeia (UE), Ursula von der Leyen, de que o bloco investirá € 2 bilhões (R$ 10,5 bilhões) para incentivar a produção de hidrogênio verde no Brasil teve ares de afago ao presidente Lula da Silva, com vista a facilitar a assinatura do acordo com o Mercosul. Mas a intenção de investimento europeu, que a executiva trouxe na bagagem esta semana em sua visita oficial, não é um favor, e sim uma oportunidade de negócios. E das mais rentáveis.

Na jornada mundial em busca de uma matriz energética mais limpa e sustentável, o hidrogênio verde vem se firmando como uma das alternativas mais potentes de substituição aos combustíveis fósseis, como gasolina, diesel e óleo combustível. Em recente relatório distribuído a investidores, o Boston Consulting Group (BCG), uma das três maiores consultorias estratégicas do mundo, estimou que, entre 2025 e 2050, governos e empresas devem destinar entre US$ 6 trilhões e US$ 12 trilhões na produção e transporte de hidrogênio com baixo teor de carbono.

É uma realidade que está batendo à porta e com pesquisas avançadas, que vêm reduzindo custos de produção. Com a vantagem de contar com uma matriz energética diversificada e já bastante limpa, com farta geração de energia hídrica, além da solar e eólica, o Brasil é um parceiro cobiçado para projetos de transição energética. Ao contrário de países que precisam se amparar predominantemente na eletrificação dos carros para cumprir o compromisso de zerar a emissão de gases do efeito estufa, como é o caso dos membros da União Europeia, temos outras portas de saída.

Como disse, em entrevista ao Estadão, Gastón Diaz Perez, CEO da Bosch na América Latina, o centro das discussões ambientais é a descarbonização, e não a eletrificação. Ele ressaltou que, com o uso do etanol e carros flex, o Brasil já reduziu em 60% as emissões de carbono, comparativamente à utilização de motores a gasolina. “Há várias opções para descarbonização”, disse. “Cada uma delas é uma carta. Muitos países têm uma só carta. O Brasil tem o baralho completo.”

Obtido por meio da eletrólise da água – um processo químico que utiliza a corrente elétrica para separar as moléculas de oxigênio e hidrogênio – com o uso da energia renovável de hidrelétricas, usinas eólicas, solares ou ainda de biomassa e biogás, o hidrogênio verde vem sendo pesquisado e desenvolvido há duas décadas. Mas os recursos orçamentários para acelerar a formação do mercado no País ainda são escassos. Há apenas um ano o BNDES lançou linhas específicas de financiamento para o setor. Neste caso, uma política pública consistente de subsídios refletiria uma visão de futuro, ao contrário de apostas antiquadas nos incentivos setoriais à indústria para fomentar o desenvolvimento.

Enquanto o governo engatinha, empresas estrangeiras, como o grupo francês Qair, a mineradora australiana Fortescue e o grupo alemão Linde, controlador da White Martins, já estão investindo bilhões de reais no ganho de escala na produção de hidrogênio verde no Brasil, para uso tanto no transporte quanto na indústria. A primeira planta em larga escala está prevista para 2027, em Camaçari, na Bahia, num investimento da fabricante de fertitilizantes Unigel.

O estudo Building the Green Hydrogen Economy (Construindo a Economia do Hidrogênio Verde), do BCG, destaca que esse combustível terá papel fundamental na descarbonização de indústrias com maior dificuldade de reduzir suas emissões, como a siderúrgica, a química e aviação, por exemplo. Por tudo isso, prevê uma explosão de demanda, passando dos 94 milhões de toneladas de 2021 para mais de 350 milhões de toneladas/ano a partir de 2025, devendo chegar a 2050 em 530 milhões de toneladas/ano.

Como se vê, trata-se de um mercado rentável e promissor que está apenas começando. Portanto, a oferta de Ursula von der Leyen, que não tem nada de desinteressada, mostra como o Brasil tem tudo para ser a grande usina de energia limpa para o mundo. Logo, deve concentrar suas atenções na matriz energética do futuro, abandonando, o mais rápido possível, os investimentos em energia poluente do século passado.