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A ciência do desastre natural

Se tragédias como a do RS serão mais frequentes, é preciso investir na ciência para ajudar a prever os eventos climáticos extremos, pois os atuais modelos estão superados

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Por Notas & Informações
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Enquanto profetas do apocalipse antecipam tragédias, cassandras da polarização alimentam divisões e populistas preveem planos mirabolantes, o desastre provocado pelas chuvas no Rio Grande do Sul deveria levar o Brasil a cuidar do essencial diante das mudanças climáticas: investimento na ciência. Em paralelo às respostas de curtíssimo prazo, convém rever políticas preditivas e preventivas de enfrentamento dos fenômenos climáticos e fazer avançar a produção científica e tecnológica sobre catástrofes naturais, hoje cada vez mais frequentes e intensas. Para tanto, não basta identificar responsabilidades, apontar imprevidência das autoridades, rever protocolos e acusar ausência de investimentos na realocação da população de áreas de risco, problemas registrados em todo o País. Tudo isso é importante, mas insuficiente.

Passou da hora de preparar a sociedade para sobreviver a esses desastres, e somente a ciência e a tecnologia podem assegurar tal preparo. Por mais que muitos tentem resumir o problema a um confronto entre ideologia e eficiência, o que se vê agora é o retrato de nosso tempo, isto é, a ausência de sistemas adequados àquilo que os climatologistas consideram o novo clima – repleto de ondas de calor e de chuvas muito intensas. Não é preciso aderir ao catastrofismo para saber que as tragédias têm que ver com a escalada do aquecimento global, herança do volume de gases de efeito estufa lançados na atmosfera. Vale para o que se vê no Rio Grande do Sul e o que se viu no litoral de São Paulo, na Bahia, em Santa Catarina, em Minas e no Rio de Janeiro.

Em meio a essa nova tragédia, chega a ser constrangedor saber que o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil será apresentado somente em junho, como mostrou o Estadão. Seria um prazo razoável não fosse um plano previsto em legislação sancionada em 2012 – e de lá para cá diversas catástrofes ocorreram sem que motivasse qualquer sentido de urgência à revisão e apresentação do plano. Isso poderia ter ajudado a reduzir os impactos das chuvas no Sul, ainda que não protegesse a população das consequências dos fenômenos climáticos extremos, agravados pela chamada “fervura global”.

Contra esses efeitos, é preciso ir além e, para tanto, há dois imperativos. O primeiro é cumprir as metas estabelecidas nos acordos climáticos globais, como reduzir à metade as emissões de gases até 2030 e zerar as emissões até meados do século. O segundo está no planejamento de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. No caso brasileiro, a tarefa requer atenção à população em áreas de risco, investimento na drenagem em áreas serranas e urbanas e regularização tanto de encostas quanto das áreas mais propensas a alagamentos, além de maior integração entre os sistemas de alerta e defesas civis.

Mas pouco se fala no desenvolvimento tecnológico dos sistemas preditivos. Modelos programados para fazer previsões confiáveis há dez anos já perderam muito de sua capacidade. Há dois anos, a ONU anunciou esforços a fim de apresentar um plano de ação para “alerta precoce e ação precoce”. A meta é ambiciosa: até 2027, proteger toda a população do planeta contra o clima extremo. Alertas antecipados mais modernos são vistos em países da União Europeia, no Reino Unido e na Austrália. Há ainda o exemplo do Japão, onde a tecnologia e a educação ajudam a enfrentar os imprevisíveis terremotos e tsunamis que atingem o País.

O espantoso é que, apesar das projeções sombrias, da repetição de fenômenos climáticos extremos e de tragédias visíveis, o Brasil ainda parece estar na infância desse debate. Há iniciativas como o trabalho de um comitê científico liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) ou os alertas de qualidade já oferecidos a mais de mil municípios pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Mas sucessivos governos não só têm colocado a prevenção em segundo plano, como têm ajudado a tornar o uso da ciência e da tecnologia uma espécie de linguagem futurística inacessível e distante. Diante dos extremos à nossa frente, não se pode tratar o tema como ficção científica, e sim como necessidade para enfrentar as próximas catástrofes.