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A confusão que o BC terá de desfazer

Se para alguns a decisão da maioria do Copom soa como provocação a Lula, para outros a dissidência dos novos diretores sugere que eles estão dispostos a obedecer ao petista

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Por Notas & Informações
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Fazia tempo que uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) não causava tanto ruído no mercado. Não pela decisão em si, que já era esperada, mas pela forma como ela se deu.

Como se viu, o Copom reduziu a taxa básica de juros em 0,25 ponto porcentual (p.p), de 10,75% para 10,50% ao ano. Esse era o palpite majoritário do mercado, que estava relativamente dividido sobre a magnitude do corte.

Pesquisa realizada pelo Projeções Broadcast revelou que 25 analistas esperavam uma redução de 0,25 p.p., enquanto 20 apostavam em uma diminuição de 0,50 p.p. Um corte maior, portanto, não seria mal recebido pelo mercado.

O problema tampouco foi o placar da decisão. Colegiados promovem discussões e favorecem o dissenso. É natural que as decisões não gerem unanimidade e, para evitar empates, o número de integrantes é ímpar. O Copom tem nove membros, entre eles o presidente do BC, mas seu voto tem o mesmo peso que o dos demais diretores na decisão final.

A questão é que a divisão entre os integrantes do Copom abriu margem para dúvidas sobre o caráter técnico da decisão, o que é muito ruim para um órgão como o Banco Central. Os cinco membros que votaram pela redução de 0,25 p.p. foram todos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, enquanto os quatro nomeados pelo presidente Lula da Silva se uniram em torno de um corte de 0,50 p.p.

Como informou o comunicado divulgado após a reunião, há fatores sobre os quais todos os diretores concordam. O cenário externo está mais adverso em razão das incertezas sobre quando o Federal Reserve começará a reduzir os juros nos Estados Unidos, enquanto o ambiente doméstico requer cautela em um momento de economia resiliente e expectativas de inflação desancoradas.

A ata do Copom, a ser divulgada na próxima semana, certamente trará argumentos favoráveis a cada um dos lados – tanto para quem defendia uma redução de 0,25 p.p. quanto para quem preferia uma queda de 0,50 p.p.

O ponto não é esse, mas sim o fato de que uma nuvem de suspeição se instalou sobre o colegiado, e quem contribuiu muito para criar esse clima foi o verborrágico presidente Lula da Silva, que não perde a oportunidade de criticar o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Se para alguns a decisão da maioria do Copom soa como provocação a Lula da Silva, para outros a dissidência manifestada pelos novos diretores sugere que eles estão dispostos a obedecer aos comandos demagógicos do petista. Desfazer essa confusão será bastante desafiador.

Já se sabia que o BC não mais indicaria a trajetória a ser trilhada tão claramente desde a reunião de março, mas o órgão deixou o mercado no escuro em um momento que já era suficientemente delicado em razão do cenário externo.

Afinal, entre a reunião do Copom de março e a desta semana, o governo alterou as metas fiscais de 2025 e 2026. Tal decisão elevou sobremaneira a desconfiança sobre o compromisso com o reequilíbrio das contas públicas. Aparentemente, isso não preocupa quatro dos nove membros do Copom.

Sobre esse tema, o sucinto comunicado informou que o Copom acompanha com atenção os “desenvolvimentos recentes” da política fiscal e seus impactos sobre a política monetária. Para não dizer que esse risco foi menosprezado, o BC reforçou, “com especial ênfase”, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta – o que envolve, de maneira indireta, a política fiscal.

A todas as incertezas que já existiam, soma-se agora o receio de que haja um viés político nas decisões. Para piorar, tudo isso ocorre no fim do mandato de Campos Neto, que votou pelo corte menor, enquanto o mais cotado para substituí-lo no cargo, Gabriel Galípolo, votou por uma redução maior. E em 2025, os indicados pelo petista serão maioria no colegiado.

O BC terá muito trabalho para explicar a decisão desta semana de maneira convincente. E o problema é que não bastarão argumentos técnicos, pois terá de vencer uma batalha que entrou no campo da política. Uma eventual derrota pode custar a credibilidade da própria instituição.