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A crucial regulamentação da reforma tributária

É hora de buscar convergências com os setores produtivos, e isso deve ser feito antes do envio dos projetos ao Legislativo. Governo e Congresso devem deixar de lado disputas de poder

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Por Notas & Informações
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O Congresso tem uma tarefa muito importante a cumprir neste ano. Após a histórica aprovação da reforma tributária sobre o consumo, o Legislativo terá de regulamentar a proposta, ou seja, apreciar projetos de lei complementares que tratarão da transição entre os antigos e os novos tributos sobre bens e serviços, o imposto seletivo, os regimes específicos, a governança do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o modelo para garantir a não cumulatividade dos tributos e a apuração de créditos ao longo da cadeia, o tratamento da Zona Franca de Manaus, a desoneração da cesta básica e os fundos de desenvolvimento regional e para os Estados da Região Norte, entre muitos outros.

O ano será curto, uma vez que as eleições municipais devem deslocar a atenção de deputados e senadores para as disputas políticas em suas bases ao longo do segundo semestre. Nesse sentido, foi muito positivo o encontro entre o presidente Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), marcado para aparar arestas geradas pelo veto parcial às emendas de comissão e ao calendário para execução das emendas parlamentares.

Tudo que o País não precisa neste momento é de uma guerra silenciosa entre o Executivo e o Legislativo a travar a tramitação de propostas cruciais para colocar a reforma tributária nos trilhos. Esse armistício entre Lula e Lira, porém, não é suficiente. Há muitos temas a serem tratados por meio de projetos de lei complementares e será preciso construir apoio para cada um deles.

Para subsidiar a elaboração dos anteprojetos, o Ministério da Fazenda criou 19 grupos técnicos com participação de membros da União, dos Estados e dos municípios. Os trabalhos deverão ser concluídos até 25 de março, quando serão submetidos ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para só então serem enviados pelo governo ao Legislativo.

Com receio do que o governo pretende apresentar, uma vez que foi excluído dos grupos técnicos, o setor privado começou a se mobilizar. E o Congresso, como esperado, reagiu. O resultado foi a criação de colegiados que conduzirão as mesmas discussões tratadas na Fazenda, mas de forma paralela – o que tende a ampliar e consolidar divergências.

Como mostrou o Estadão, a indústria de mineração e o setor de petróleo querem impedir que o Imposto Seletivo, cuja alíquota será de até 1% sobre a produção, incida sobre as exportações. Assim, buscam maneiras de convencer os parlamentares a reduzi-lo e até isentá-lo, de forma a não comprometer a competitividade de seus produtos no exterior.

O setor de saneamento básico, por sua vez, alega que as contas de água podem subir até 18%. O segmento, que havia garantido um regime especial no Senado, acabou por perdê-lo na fase final de tramitação da proposta na Câmara. Teme, inclusive, que a tributação impeça o cumprimento dos compromissos de universalização estabelecidos no marco do saneamento.

Esses movimentos reforçam a importância de o governo atuar com prudência e cuidado na regulamentação da reforma tributária. É hora de buscar convergências com os setores, e o ideal é que isso seja feito antes mesmo do envio das propostas ao Legislativo. É essencial que o Executivo saiba reconhecer a oportunidade que tem em suas mãos.

Para facilitar essas negociações, transparência é fundamental. As dúvidas que permeavam o cálculo da alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) já estão sanadas desde a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, no fim do ano passado.

Antes da aprovação final da reforma, o Ministério da Fazenda a havia estimado em 27,5%. É hora, portanto, de o governo divulgar e de a sociedade saber qual será a alíquota padrão que resultou dessas discussões. Só assim será possível saber se os temores dos setores têm ou não algum sentido e propor correções, como a devolução do imposto para famílias de baixa renda.

Ademais, governo e Congresso não podem se perder em disputas de poder inócuas. É preciso concentrar forças nas propostas de que o País precisa para criar um ambiente propício ao crescimento econômico e à geração de empregos.