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À espera de punição exemplar

Enquanto a Lei das S.A. será de novo alterada, CVM torna réu o mensageiro do rombo da Americanas

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Por Notas & Informações
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O Ministério da Fazenda enviará em breve à Câmara projeto de alteração da Lei das Sociedades por Ações, a Lei das S.A. De acordo com o Valor, a proposta visa a ampliar, com base em medidas de fiscalização e punição, a possibilidade de ressarcimento aos acionistas minoritários e debenturistas de empresas de capital aberto prejudicados por atos danosos de seus administradores e controladores.

É inevitável estabelecer relação imediata entre a medida e o caso da Americanas, o mais recente escândalo financeiro a abalar o universo do mercado acionário – e, por extensão, todo o País, que acompanhou perplexo a comunicação de um rombo estimado então em R$ 20 bilhões, feita pelo executivo Sérgio Rial, que naquele 11 de janeiro ocupava havia apenas nove dias a cadeira de presidente da empresa.

Rial chamou de “inconsistências em lançamentos contábeis” o buraco encontrado na contabilidade da Americanas e, ato contínuo, renunciou ao cargo. Parece ironia que, cinco meses depois, o executivo tenha se tornado o primeiro réu na investigação que tramita na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o caso.

A CVM entendeu que ele infringiu o parágrafo 1.º do artigo 155 da Lei das S.A. por ter comunicado de maneira imprecisa o rombo e por ter realizado uma teleconferência de acesso restrito para tentar explicar a situação que encontrara na Americanas. Rial acompanhou, de forma remunerada, a rotina da empresa desde que foi indicado ao cargo, em agosto do ano passado, mas sua meteórica e espetacular passagem como CEO começou em 2 de janeiro.

Ainda não é o desfecho do caso, obviamente, mas não deixa de provocar uma enorme frustração esse primeiro resultado apresentado pela CVM para um caso que unificou os meios jurídico e financeiro no apelo a uma punição exemplar. Sob enorme suspeita de fraude envolvendo administradores e acionistas controladores, o caso da Americanas deveria se tornar um divisor de águas.

E aí cabe questionar se o que o País precisa é de mais leis ou do simples cumprimento efetivo das leis já existentes. É claro que a dinâmica acelerada do mercado exige constantes atualizações regulatórias – até bem pouco tempo não existiam, por exemplo, as fintechs, o mercado de criptomoedas e os influenciadores digitais. A antiquada Lei das S.A. original, de 1976, foi modernizada em 2007, num processo amplamente elogiado por todo o mercado acionário. A partir daí vem sofrendo um sem-número de alterações, como o Marco Legal das Startups, de 2021, e mesmo as regras transitórias criadas durante a pandemia de covid.

A mais recente proposta de alteração será, com certeza, bem-vinda. Mas a CVM ainda está devendo uma atuação digna da alcunha de xerife do mercado financeiro. Algo que a aproxime da atuação da poderosa e temida SEC, a Securities and Exchange Commission, sua congênere nos Estados Unidos. A começar pela transparência. As investigações da SEC podem ser acompanhadas pela internet, enquanto aqui uma muralha de sigilo protege os investigados.