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A falta de luz e de bom senso

Apagão em SP anima os antiprivatização, como se atendimento fosse melhor quando era estatal. Mas, com bons contratos e fiscalização, o serviço privado costuma ser mais eficiente

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Por Notas & Informações
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Após o blecaute em São Paulo, a arena política foi varrida por um vendaval de recriminações. Pré-candidatos à Prefeitura previsivelmente abriram fogo contra o prefeito. Outros foram além. “Espero que o debate da privatização perca força com o caso da Enel”, disse o secretário nacional do Consumidor, o petista Wadih Damous, em referência à concessionária que adquiriu a Eletropaulo. “As empresas que assumem as concessões no Brasil não prestam um bom serviço”, arrematou ele. Mesmo os supostos liberais do Partido Liberal, além de correligionários bolsonaristas, prometem dar os braços ao PSOL e ao PT para barrar a privatização da Sabesp no Supremo Tribunal Federal. Como se vê, o oportunismo é suprapartidário.

Não se tem o contrafactual para saber como seria a distribuição de energia de São Paulo se ainda fosse realizada por uma estatal. No passado houve muitos apagões. Neste último, os temporais foram excepcionais. Uma das principais causas dos blecautes foi a queda de árvores, cuja manutenção cabe ao poder público. Não obstante, é preciso apurar se a Enel descumpriu seu contrato e se esse contrato foi bem feito. Mas há dados para avaliar a generalização de Damous de que as desestatizações não geraram bons serviços.

Até a onda de desestatizações nos anos 90, no interior do País só tinha acesso à eletricidade quem tirava de seu bolso parte dos investimentos nas redes de energia. Os brasileiros com mais de 40 primaveras se lembram da época em que linhas telefônicas eram ativos valiosos que custavam cerca de mil dólares. A fila de instalação levava anos. Alguns apelavam ao mercado paralelo a custos que chegavam a 10 mil dólares.

Todos os indicadores mostram que os temores em relação às desestatizações não se concretizaram e, em geral, elas acarretaram mais investimentos, produtividade, receitas, melhores serviços e preços e menos corrupção.

Por outro lado, há um setor conhecido por ilustrar o exato oposto dessas experiências bem-sucedidas: o saneamento. Os serviços de água e esgoto ainda são prestados quase que exclusivamente por estatais contratadas sem licitação nem metas. O fracasso é flagrante: são 35 milhões de brasileiros sem água potável e metade da população sem esgoto.

Isso não significa consagrar a desestatização como um dogma. Mas a experiência mostra, e a Constituição estabelece, que a atuação do Estado na atividade econômica deve ser excepcional. Tampouco a desestatização significa Estado “mínimo”, e sim a mudança de um Estado “empresário” para um Estado “regulador”. Serviços públicos continuam a ser públicos, só são geridos e prestados por entes privados, e o Estado tem critérios objetivos para avaliar sua qualidade e fiscalizar sua execução, o que permite expandir bons programas e sepultar os ineficientes.

Isso reduz a margem para o patrimonialismo, o clientelismo e o corporativismo. E aí, sim, há uma explicação consistente para a vociferação de políticos da esquerda e da direita e suas manobras para debilitar agências reguladoras, leis de governança das estatais ou programas que avaliam seu desempenho.

Mas a prova mais contundente da falência do “Estado empresário” é que políticos como Damous falam em frear o debate sobre privatizações, mas não em acelerar o debate sobre “reestatizações”. O motivo é simples: o Estado não tem dinheiro para bancar o controle das empresas privatizadas. Há governantes que encamparam as desestatizações pela convicção de que isso acarretaria melhores serviços. Mas muitos consentiram a contragosto, pelo mero fato de que não tinham caixa para capitalizar suas estatais.

Se a população espera que o que aconteceu em São Paulo não se repita, é justamente por se tratar de um serviço prestado por um ente privado. À época dos monopólios públicos, a única opção era uma indignação resignada. Hoje, se as concessionárias não cumprem seus contratos, espera-se que sejam multadas ou trocadas. Se os contratos são ruins, espera-se que sejam reformulados. Mas, para isso, é preciso um Estado “forte”, com agências reguladoras independentes, técnicas e eficientes – bem diferentes, aliás, das agências fracas e politizadas ambicionadas por lulopetistas e bolsonaristas.