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A imprudência do ministro da Justiça

Flávio Dino tem alimentado a equivocada impressão de que o Judiciário é uma grande arena política. É preciso respeitar a inteligência dos cidadãos, sem interpretações oportunistas da lei

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Por Notas & Informações
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O Ministério da Justiça tem papel fundamental no funcionamento do Estado Democrático de Direito. Responsável, no âmbito do Executivo federal, pela defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais, ele tem uma importância histórica e institucional única, expressa na própria configuração urbanística e arquitetônica de Brasília, que conferiu posição de destaque ao Palácio da Justiça Raymundo Faoro, sede do Ministério.

Essa proeminência institucional do Ministério da Justiça significa uma especial responsabilidade dentro da administração pública federal e nas relações entre os Poderes. E, sendo assim sempre, essa dimensão de responsabilidade tem ainda mais relevo nas circunstâncias atuais, com a forte polarização político-ideológica e a disseminada incompreensão sobre o papel do Judiciário. O dever do Executivo federal de trabalhar pela distensão e pacificação nacional envolve ativa e diretamente o Ministério da Justiça.

Tem-se visto, no entanto, a situação oposta. Em vez de contribuir para uma compreensão mais serena e técnica dos temas envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino, tem contribuído para acentuar tensões políticas. Sua atuação recente tem alimentado a equivocada impressão do Judiciário como uma grande arena político-partidária, na qual o importante seria apoiar os partidários, não raro à revelia da lei.

Uma coisa é defender o STF dos diferentes ataques e ameaças que ele sofreu nos últimos anos e que culminaram no 8 de Janeiro. Outra, bem diferente, é tomar partido imediatamente a respeito de toda medida decretada pelo Supremo, servindo-se, para tanto, de interpretações expansivas e, às vezes, manifestamente equivocadas. Para piorar, essa atuação partidarista, em tom de torcida, é feita nas redes sociais, sem os necessários matizes, sem as respectivas fundamentações.

Na quinta-feira passada, advertiu-se neste espaço o profundo equívoco, disseminado por Flávio Dino, de enquadrar eventual agressão contra um ministro do STF e sua família como possível crime contra o Estado Democrático de Direito (ver A distorção que enfraquece a democracia, 20/7/2023). Misturar a proteção do Estado e a proteção das autoridades significaria transformar a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021) numa reedição da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), e a lei de 2021 veio justamente revogar a de 1983.

Mas não foi esse o único caso em que, sob pretexto de defender o STF, o ministro da Justiça abandonou o prudente distanciamento institucional, envolvendo-se em questões de duvidosa constitucionalidade. Flávio Dino utilizou sua conta no Twitter para dizer que a diligência de busca e apreensão na residência da família envolvida em confusão em Roma com o ministro Alexandre de Moraes “se justifica pelos indícios de crimes já perpetrados” e que “tais indícios são adensados pela multiplicidade de versões ofertadas pelos investigados”. E completou: “Sobre a proporcionalidade da medida, sublinho que passou da hora de naturalizar absurdos”.

A rigor, as palavras de Flávio Dino em nada justificam a medida, até porque o inquérito está sob sigilo. Pelo que se sabe até agora, a busca e a apreensão foram notoriamente desproporcionais. Dessa forma, em vez de gerar tranquilidade, a manifestação do ministro despertou mais dúvidas.

Muitas vezes, a melhor defesa que se pode fazer do Judiciário, especialmente por parte do Executivo federal, é manter-se distante dos atos judiciais concretos, que podem depois ser revistos e corrigidos pelo próprio Judiciário. Não faz nenhum sentido um alinhamento acrítico e automático, que, em tempos de polarização política, desperta ainda mais desconfianças sobre a Justiça.

A autoridade do STF deve ser fruto da fundamentação das decisões, e não do apoio do governo de plantão. Precisamente por seu papel institucional de defesa da ordem jurídica, o Ministério da Justiça não pode fazer com que sua interpretação da lei esteja em função das cores políticas dos envolvidos.