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A integração comercial na Ásia-Oceania

Um novo bloco regional está surgindo, em que UE e EUA têm menos voz e a China, cada vez mais.

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Por Notas & Informações
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No dia 15, após quase uma década de negociações, 15 países da Ásia e da Oceania firmaram a Parceria Regional Econômica Abrangente (Rcep, em inglês), um dos maiores acordos comerciais do mundo. Em certos sentidos é o maior, compreendendo cerca de um terço da população e da produção mundiais. Num momento em que a pandemia tem abalado a cooperação internacional e o Ocidente dá mostras de ceticismo em relação ao livre-comércio e ao multilateralismo, trata-se de um enorme passo para a integração econômica da região, com grande potencial de impacto sobre a nova ordem global em vias de ser definida no século 21.

Em certos aspectos o acordo é simbólico. Ele ainda terá de ser ratificado por todos os 15 países participantes e em grande medida não cria novas regras, só uniformiza uma pluralidade de acordos vigentes entre os diversos países da região. Mas é um símbolo poderoso. Se não chega a estabelecer uma zona de livre comércio, como a União Europeia (UE) ou o acordo entre EUA, Canadá e México, dá um passo significativo nessa direção ao incluir aspectos como tarifas, custos aduaneiros, medidas sanitárias, serviços, investimentos e outros.

Do ponto de vista da mecânica comercial, a grande inovação refere-se às regras de origem dos insumos e componentes utilizados em produtos industriais. Atualmente, um produto manufaturado, por exemplo, no Japão pode ter tarifas diferentes na Coreia do Sul se tiver ou não componentes originários da Indonésia. A Parceria uniformiza as regras eliminando esse tipo de barreira. “A Ásia está integrada, mas para oferecer bens a outros mercados”, disse Deborah Elms, diretora da consultoria Asian Trade em Cingapura. “A Rcep muda isso.” Os economistas estimam que a Parceria pode somar mais de US$ 180 bilhões à economia global e 0,2% do PIB de seus membros.

Outro aspecto crucial é que se trata do primeiro acordo comercial abrangente entre China, Japão e Coreia do Sul, as três grandes usinas tecnológicas da região, criando condições para uma zona de livre comércio trilateral, mesmo em meio a atritos de natureza política.

O acordo só não foi maior pela ausência da Índia, a terceira maior economia da região, que abandonou as negociações em 2019, temendo um dilúvio de produtos industriais chineses, sem maiores avanços no comércio de serviços, área na qual o país leva vantagem. Ainda assim, a Rcep deixa uma porta aberta para a futura adesão da Índia.

O acordo é menos ambicioso do que a Parceria Transpacífica, mas mais efetivo. Esta última, ainda em negociação, prevê a participação de países da América, como Canadá e Peru; cobre áreas como legislação trabalhista, meio ambiente e regras para empresas estatais; e projeta a eliminação de 100% das tarifas. A Rcep, por sua vez, se restringe a regulamentos comerciais e prevê a eliminação de 90% das tarifas, mas ao longo de 20 anos. Ela também avança pouco na integração do comércio de serviços e a agricultura foi em boa medida deixada de fora – um dado importante para o Brasil.

Na configuração global, a Parceria fortalece a presença da China na região – especialmente após a saída da Índia – e enfraquece mais a dos EUA. 

Os EUA se retiraram, pelas mãos de Donald Trump, da Parceria Transpacífica, e é improvável que Joe Biden reverta este quadro. As suspeitas em relação a novos acordos comerciais, sobretudo com a China, são compartilhadas, por diferentes razões, por eleitores republicanos e democratas.

Quanto à China, além dos benefícios comerciais diretos e da facilitação indireta de negociações geopolíticas na Ásia, a Rcep lhe oferece uma oportunidade de se apresentar ao mundo como uma nação comprometida com a cooperação internacional. A Parceria é “uma vitória do multilateralismo e do livre-comércio”, disse o seu primeiro-ministro, Li Keqiang, “um raio de luz e esperança entre as nuvens”.

Ainda há muito por fazer, mas o fato é que um novo bloco regional está surgindo, no qual as duas grandes superpotências comerciais, a União Europeia e os EUA, têm cada vez menos voz e a China tem cada vez mais.