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A nova diplomacia americana

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Por Redação
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O primeiro giro internacional da secretária de Estado Hillary Clinton pelo Oriente Médio e Europa deixou clara a mudança significativa - de substância, não apenas de ênfase - da diplomacia americana no governo Barack Obama. Por instigação de Washington, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) restabeleceu relações formais com a Rússia, suspensas em agosto do ano passado depois da sua ofensiva contra a Geórgia. A decisão foi tomada pelos chanceleres dos 26 países membros da aliança militar ocidental, reunidos em Bruxelas. A iniciativa exprime a preocupação de Obama em reconstituir a coerência entre meios e fins na política exterior dos Estados Unidos, soterrada pela montanha de erros do governo Bush. A volta da racionalidade não assegura, decerto, que esses fins sejam alcançados, muito menos a curto prazo - a solução do conflito israelense-palestino é o exemplo gritante. Mas a mudança é indispensável para recuperar a posição americana no tabuleiro mundial. Sendo uma das principais prioridades de Obama na frente externa a busca de uma estratégia para reverter os fracassos da luta de sete anos contra a Al-Qaeda no Afeganistão, não era realista, de fato, manter um clima de crispação com a Rússia, de cuja colaboração os Estados Unidos necessitam para promover a segurança e a estabilidade no desgovernado território afegão. Em Bruxelas, Hillary não fez segredo disso, ao defender "um novo começo" na interlocução com Moscou. "Temos de encontrar maneiras de trabalhar construtivamente com a Rússia nas áreas em que compartilhamos interesses", propôs, com ostensivo pragmatismo. Na reunião de cúpula da organização, marcada para os dias 3 e 4 de abril, com a presença do presidente Obama, será dado o passo seguinte, com o restabelecimento do Conselho OTAN-Rússia. No mesmo espírito, Hillary anunciou que, por ser vizinho do Afeganistão, o Irã será convidado a participar da conferência internacional sobre aquele país que os Estados Unidos planejam realizar no fim do mês, em lugar ainda indefinido. "No Afeganistão e no Paquistão temos uma ameaça comum, um desafio comum e uma responsabilidade comum", argumentou a secretária, capitalizando a animosidade entre o Irã e a Al-Qaeda. Eis uma das alternativas para o presidente americano levar adiante a sua promessa de estender a mão aos governos que se dispuserem a "descerrar os punhos", como aludiu no discurso de posse ao Irã, cujo programa nuclear representa um perigo que não será neutralizado com ameaças de uso da força. Desde então a Casa Branca emitiu outros sinais de abertura a Teerã. Dentro dessa reorientação diplomática, na semana passada Obama citou nominalmente a Síria, ao lado do Irã, entre os países do Oriente Médio cujo engajamento os Estados Unidos deverão promover no que chamou de "estratégia mais sensata, mais sustentada e exaustiva" para a região. A inclusão da Síria é evidência de lucidez e conhecimento de causa. A importância de Damasco na configuração dos conflitos regionais vinha sendo subestimada. Embora parceiro dos aiatolás de Teerã no apoio aos ultrarradicais do Hezbollah, no Líbano, e do Hamas, na Faixa de Gaza, o governo sírio aspira à normalização das relações econômicas com os EUA - e à recuperação das Colinas de Golã, ocupadas por Israel. Com os estímulos adequados, o pragmatismo do presidente Bashar Al-Assad o deixará a considerável distância do seu raivoso colega iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Passando das palavras aos atos, na terça-feira, em Jerusalém, Hillary anunciou a ida de dois enviados especiais de alto nível a Damasco, de onde os EUA retiraram o seu embaixador em fevereiro de 2005. Uma reaproximação bem-sucedida com a Síria daria o que pensar aos iranianos. No mínimo os deixaria mais propensos a dialogar face a face com o "Grande Satã". Esse é o quadro em que Obama encaixa o desengajamento americano do Iraque, com a fixação de uma data - 31 de agosto de 2010 - para o término da "missão de combate" dos EUA no país e o repatriamento gradual de cerca de 100 mil dos seus atuais 142 mil efetivos. O cronograma está sujeito a "ajustes táticos". A retirada se completará no final do ano seguinte. A ver o que terá obtido até lá a nova política externa americana.