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A opção dos EUA pelo unilateralismo

Ao vetarem a boa resolução do Brasil sobre o conflito entre Israel e Hamas, os EUA tomam para si a tarefa de solucionar a crise e acentuam a inoperância do Conselho de Segurança da ONU

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Por Notas & Informações
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O veto dos Estados Unidos à proposta de resolução do Brasil sobre o conflito entre Israel e Hamas, anteontem, expõe a vitória do unilateralismo e a inoperância do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A via de concertação diplomática multilateral diante de graves agressões e emergências internacionais praticamente se fechou. Se os interesses próprios de seus integrantes com poder de vetar decisões ainda hoje impedem a censura a Moscou, passados 20 meses de guerra contra a Ucrânia, agora tornam inviável a condenação do ato de terrorismo do Hamas contra os israelenses e, igualmente, os eventuais abusos da retaliação de Israel contra os palestinos.

A decisão de Washington reforça o “silêncio e a inação” do Conselho de Segurança, como ressaltou o embaixador do Brasil nas Nações Unidas, Sérgio Danese. Afinada ao longo de horas de conversações com os membros do Conselho, presidido neste mês pelo Brasil, a proposta limou atritos e trouxe legível a condenação ao Hamas pelo atentado que causou 1.400 mortes em Israel e o sequestro de cerca de 200 pessoas. Não houve dissenso sobre essa questão, nem mesmo dos EUA.

Tampouco houve desaprovação à pausa humanitária no conflito, para garantir a assistência aos civis em Gaza, e à pronta liberação dos sequestrados pelo Hamas – dois outros tópicos relevantes da proposta. A redação final pecou, aos olhos dos Estados Unidos, por não reiterar o direito de autodefesa de Israel. A rigor, trata-se de garantia inerente a qualquer país atacado, expressa no artigo 51 da Carta das Nações Unidas, até medidas serem acordadas pelo Conselho de Segurança.

A própria embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, ressaltou esse direito ao explicar seu voto. Se incluído no papel, dificilmente a resolução sobreviveria ao veto de outros membros permanentes, como Rússia e China. A posição americana pode ser entendida considerando-se sua aliança histórica com Israel, ao qual jamais negaria sua couraça nem permitiria brechas que o fragilizassem. Há, entretanto, um aspecto a ser ressaltado no mais recente conflito no Oriente Médio: a diplomacia presidencial de Joe Biden.

A visita de Biden a Israel nesta semana teve o objetivo de conter os ímpetos de revanche militar do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu sobre a Faixa de Gaza, o que levaria a uma escalada de agressões. À primeira vista, o americano teve êxito. Mesmo que não tenha conseguido se encontrar com os líderes da Autoridade Palestina, da Jordânia e do Egito, como pretendia, Biden teve êxitos. Enquanto a proposta brasileira de resolução era avaliada nas Nações Unidas, Biden anunciava à imprensa a permissão do Egito para a entrega de ajuda humanitária à Faixa de Gaza.

Os movimentos de Biden e da diplomacia americana indicam que os Estados Unidos tomaram para si a solução desse conflito e querem resolvê-lo à sua maneira – não conforme uma resolução do Conselho de Segurança, potencialmente influenciada por seus adversários geopolíticos. A imensa incógnita está nos resultados factíveis dessa equação unilateral, que notavelmente fragiliza o sistema multilateral sem garantir a paz, mesmo que provisória.

O desapontamento com o veto dos EUA, porém, está longe de macular o significativo trabalho da diplomacia brasileira ao conduzir o Conselho de Segurança – em especial, ao construir e negociar uma proposta que muito contribuiria para aliviar as tensões no Oriente Médio e para demonstrar que o órgão máximo das Nações Unidas ainda é capaz de alcançar consensos. Dadas as circunstâncias, a atuação do Brasil ultrapassou limites antes tidos como insuperáveis.

O voto negativo dos Estados Unidos traz o conflito entre Israel e Hamas para o mesmo limbo da guerra da Rússia na Ucrânia. O Conselho de Segurança submerge ainda mais em sua insignificância como garantidor da paz e da segurança internacionais. Resta, como assinalou Tor Wennesland, enviado especial da ONU para Israel-Palestina, a beira de um “abismo profundo e perigoso” que pode arrastar todo o Oriente Médio.