Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A Otan põe os dois pés no século 21

Na sua cúpula mais importante desde a queda do Muro de Berlim, Otan precisará revisar o seu maquinário militar e dar prova de unidade para dissuadir a Rússia e outras autocracias

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

Há pouco mais de três anos, o presidente francês, Emmanuel Macron, decretou que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sofria de “morte cerebral” e o então presidente americano, Donald Trump, a declarou “obsoleta”. Tais percepções entraram nos cálculos de Vladimir Putin quando invadiu a Ucrânia. Mas assim como ele subestimou a força de Kiev, subestimou a unidade da Otan. “Putin está recebendo o oposto do que queria – mais Otan, não menos”, disse recentemente o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg. “Ele pensou que poderia nos dividir e nos impedir de apoiar a Ucrânia. Enquanto a Otan não é parte nesse conflito, os aliados estão mais unidos do que nunca em prover assistência militar sem precedentes para apoiar o direito de autodefesa da Ucrânia, consagrado na Carta da ONU, e ajudá-la a se manter um país livre e democrático.”

A Ucrânia estará no foco da cúpula anual da Otan, nos dias 11 e 12, na Lituânia, considerada a mais importante desde a queda do Muro de Berlim. Além dos clamores de Kiev por integrar a Aliança, os aliados discutirão a entrada da Suécia (que sofre resistência da Turquia); a relação com a Ásia, especialmente com a China; e, sobretudo, aprovarão o primeiro plano abrangente de defesa desde a guerra fria.

Se o ataque russo galvanizou a unidade da Otan, também mostrou que as forças ocidentais estavam mal equipadas para uma guerra como a da Ucrânia ou como a que a China pode mover contra Taiwan. Por um quarto de século após a guerra fria, as democracias ocidentais acreditaram que a era de confrontos globais havia passado. Os gastos com defesa diminuíram e ajudaram as nações europeias a expandir seus sistemas de bem-estar social. As populações desses países talvez relutem em admitir que esse “dividendo da paz” acabou, mas os líderes mais realistas já entenderam que, se quiserem preservar uma paz ampla, precisarão se preparar melhor para a guerra.

Isso significará se comprometer efetivamente com a velha promessa de atingir ao menos 2% dos PIBs nacionais com defesa. Desde o início da guerra, isso vem acontecendo. Mas há a questão de como canalizar esses investimentos. Tecnologias sofisticadas, como defesas cibernéticas, drones e mísseis de precisão, são caras e a guerra na Ucrânia mostrou que tanques, artilharia e tropas terrestres são tão relevantes quanto sempre foram.

A complexidade geopolítica é, em certo sentido, mais desafiadora do que na guerra fria, e as democracias terão de compartilhar tecnologias e inteligência ainda mais intensamente do que no século 20.

A Ucrânia, por sua vez, quer dar passos decisivos rumo à sua integração na Otan. Em meio à guerra isso é impossível. Mas os aliados precisarão discutir que tipo de compromisso oferecerão no futuro. Ela se tornará uma nova Finlândia, forçada a ceder território e a permanecer neutra por décadas? Ou uma Alemanha do pós-guerra, com parte do território sob domínio russo e a parte democrática integrada à Otan? Ou então Israel, que se defende de poderes hostis sem alianças formais, mas com amplo apoio militar dos EUA?

Em 2008, os EUA favoreciam a entrada da Ucrânia na Otan, enquanto potências europeias, como França, eram reticentes. Hoje os papéis se inverteram. A cúpula não será conclusiva, mas deve produzir um cardápio de opções. Se não obtiver a carteirinha de sócio da Otan, a Ucrânia precisará de garantias críveis para dissuadir a Rússia.

Por ora, o desgaste de Putin pode estar abrindo uma janela para negociações. “Mas não esqueçamos que o que acontece na mesa de negociações está inextricavelmente ligado ao que acontece no campo de batalha”, lembrou Stoltenberg. “Devemos continuar a apoiar a Ucrânia para que ela prevaleça como um Estado soberano e independente na Europa.” Sejam quais forem as divergências sobre os arranjos propostos para o futuro, no presente há ao menos uma clara consciência de que, se Putin prevalecer na Ucrânia, a mensagem para os regimes autoritários será de que a força lhes dará o que querem, tornando o mundo mais perigoso e todas as democracias mais vulneráveis.