A pandemia não apenas teve um impacto imediato sobre as desigualdades – seja entre os países mais ricos e os mais pobres, seja, dentro de cada país, entre as classes mais ricas e as mais pobres –, como emperrou brutalmente o principal motor de crescimento econômico e mobilidade social: a educação. O ensino remoto, além de provocar um déficit generalizado no aprendizado, aumentou a distância entre os alunos com melhor e pior desempenho e entre os alunos ricos e os pobres.
“Quanto mais pobre é o indivíduo, menor é a frequência na escola, menor a quantidade de exercícios recebidos e, para piorar, menor o tempo dedicado aos exercícios recebidos”, conclui o estudo da FGV Social Tempo para Escola na Pandemia. Pelas métricas dos pesquisadores, os alunos mais pobres são 633% mais afetados pela falta de oferta de atividades escolares que os mais ricos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece jornada diária de quatro horas. Mas durante a pandemia a jornada ficou em cerca de 2,3 horas. Dos 30 milhões de estudantes entre 6 e 15 anos, a FGV Social calcula que cerca de 4 milhões (13,5%) não receberam qualquer atividade para ensino remoto. Entre os adolescentes de 16 e 17 anos, foram 17,6%. Esse apagão está massivamente concentrado nas classes baixas e nos Estados mais pobres.
A falta de oferta se dá pela falta de conectividade, de dispositivos digitais e de envio de material por parte da rede de ensino. Segundo o Ipea, 16% dos alunos do Ensino Fundamental (cerca de 4,35 milhões) e 10% dos alunos do Ensino Médio (780 mil) não têm acesso à internet. Mas, enquanto quase 100% dos estudantes da classe A possuem acesso, nas classes D e E são apenas 40%. No mundo todo os governos buscaram compensar carências como essas combinando o uso da internet com uma programação educacional via TV e rádio, além da distribuição de materiais impressos. No Brasil, apesar de rádio e TV terem penetração em 96% dos domicílios, só 11 Estados se mobilizaram para disponibilizar conteúdo educacional por meio dessas mídias.
Às carências crônicas das redes de ensino municipais e estaduais soma-se o absenteísmo contumaz do Ministério da Educação. Instado sobre a desigualdade educacional que afeta estudantes sem acesso à internet, o ministro Milton Ribeiro lavou as mãos: “São o Estado e o município que têm de cuidar disso aí”.
A crise escancarou a falta de uma governança nacional para a Educação. “Imagina passarmos por essa pandemia sem um Sistema Único de Saúde (SUS)”, ponderou recentemente a presidente executiva do instituto Todos Pela Educação, Priscila Cruz. “Poderíamos enfrentar essa crise na Educação de uma maneira muito melhor se houvesse um Sistema Nacional de Educação.”
Não só para mitigar as disparidades imediatas ampliadas pela pandemia, mas para adaptar o sistema de ensino a um futuro precocemente imposto por ela, uma das prioridades é universalizar o acesso à internet para as famílias dos alunos. Ainda que seja mais difícil universalizar dispositivos digitais, no mínimo os telefones celulares, cada vez mais presentes nos lares de baixa renda, podem servir de canal para a transmissão de conteúdos. Nas próprias escolas, um estudo recente da OCDE mostra que uma conectividade ampla, aliada a boas plataformas digitais, é fator imensamente mais relevante para o desempenho dos alunos do que a proporção de computadores.
De resto, é preciso qualificar os professores. O mesmo levantamento da OCDE aponta que as escolas que têm o cuidado de preparar programas específicos de utilização de dispositivos digitais têm melhor desempenho. No Brasil, uma pesquisa do Instituto Península apontou que 83% dos professores se sentem nada ou pouco preparados para o ensino remoto.
Com a aprovação do novo Fundeb o problema do financiamento da educação foi em grande parte solucionado. Mas isso será de pouca serventia sem uma boa engenharia de alocação e governança. A pandemia expôs dramaticamente a necessidade de um programa nacional para a educação similar ao que foi, há 30 anos, o SUS para a saúde.