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A rede hoteleira do crime

Ação da Polícia Civil empareda PCC na Cracolândia com inteligência, não pirotecnia

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Por Notas & Informações
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A Polícia Civil deflagrou uma operação no centro de São Paulo para desbaratar uma rede de hotéis do Primeiro Comando da Capital (PCC) usada como base do tráfico. A investigação revelou que, a partir dessa estrutura, o fluxo de usuários da Cracolândia passou a perambular atrás de droga – triste cena repetida à exaustão no coração da maior metrópole do País. O ardil da facção impressionou, e só foi possível interrompê-lo porque o trabalho da polícia não foi ancorado em violência, mas em inteligência.

A investigação mostrou que uma operação da Prefeitura, em 2021, para lacrar com tijolos antigas hospedarias na área em que o fluxo se concentrava havia dez anos, disparou o gatilho para a dispersão de bandidos e usuários. A partir do ano seguinte, o PCC encontrou uma solução para contornar o cerco das autoridades.

Os criminosos começaram a comprar imóveis na região para firmar a logística do tráfico. Esses estabelecimentos serviram também de esconderijo de bandidos e sedes de “tribunais do crime”, onde eram impostas “penas” de internação compulsória a usuários considerados “infratores” ou de morte, o que é estarrecedor.

Com a compra de imóveis abaixo do valor venal e, inclusive, com ameaças a proprietários, os bandidos deixaram um rastro de degradação – o que, por óbvio, tem impacto na valorização do entorno. Segundo a apuração, o PCC adquiriu 78 hotéis e hospedarias, espraiando o fluxo para as proximidades das Praças Marechal Deodoro e Princesa Isabel, dos Largos do Arouche e Paiçandu, além das Avenidas São João e Duque de Caxias.

Lojistas e moradores, como se sabe, viraram alvo da violência, vivendo sob o signo do medo e de prejuízos. Em demonstração da força do crime e da fraqueza do poder público, comerciantes baixaram as portas.

Agora, a Polícia Civil seguiu, corretamente, por uma nova trilha, após ações tão espalhafatosas quanto insuficientes. Em paciente investigação, os agentes mapearam o trajeto do fluxo no centro histórico e localizaram imóveis que davam suporte ao tráfico – a verdadeira raiz do problema que se espalhou pela região.

Os policiais identificaram, então, operações de compra e venda de imóveis em nome de porteiros, ajudantes gerais e até de usuários de droga. A avaliação de movimentações bancárias dos suspeitos, com base em análises do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ajudou os investigadores a entenderem a estrutura dos negócios do PCC e a hierarquia do bando.

De posse de informações bem organizadas, a Justiça deu a ordem para fechar 26 hospedarias clandestinas, expediu 124 mandados de busca e apreensão e determinou o bloqueio de dinheiro em 28 contas bancárias. É isso que tem potencial para sufocar o PCC. Com o esquema desvendado, a Polícia Civil e a Guarda Civil Municipal, com 600 agentes, foram às ruas, em um claro sinal de cooperação.

A Operação Downtown levou à prisão 15 suspeitos e apreendeu celulares, dinheiro, crack, skank e cocaína. Sem confronto, bombas ou pânico, uma importante batalha contra o PCC foi vencida, mas a guerra está longe de terminar, razão pela qual será necessário ampliar a coordenação dos esforços policiais e investir em inteligência.