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A várzea lulopetista

Lula entra em campo para tentar salvar a articulação do governo, que vive fazendo gol contra. Mas de nada adianta ter o ‘Pelé da política’ se o PT não passa a bola para ninguém

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Por Notas & Informações
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A semana em Brasília terminou pior do que como começou, apesar da promessa do presidente Lula da Silva de azeitar a articulação política do governo. Após as fragorosas derrotas durante a análise de vetos no Congresso – sobretudo à chamada pauta de costumes –, que culminaram, entre outros reveses, no fim da chamada “saidinha” de presos do regime semiaberto, a ala responsável pela interlocução com parlamentares naufragou, a princípio, na missão de dinamizar a relação com o Legislativo.

Lula reuniu os aliados de sempre para debater o problema. Começou mal. Sem sinal da tal da frente ampla, participaram do encontro os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE); no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); e no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) – que, embora sem legenda, só falta assinar a ficha de filiação ao PT. Estavam presentes também os secretários executivos da Casa Civil, Miriam Belchior, e da Fazenda, Dario Durigan.

Como o lulopetismo crê nunca errar, a conta de seus infortúnios, claro, cai sempre no colo dos outros. Sobrou para ministros do Centrão, por supostamente não entregarem votos; para a comunicação, pela incapacidade de transmitir à sociedade quão geniais são as ideias do governo; e até para o Congresso, representante do povo, que com seu conservadorismo não consegue captar o vanguardismo do governo petista.

Mesmo assim, há quem diga que houve mea culpa. Ficou decidido, então, que Lula da Silva – qualificado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como “o Pelé da política” – vestirá a camisa após mais de um terço de mandato para, enfim, dialogar, negociar e governar. É um iniciativa reiteradamente anunciada e não cumprida, o que obviamente suscita ceticismo. Em entrevista ao jornal O Globo, Jacques Wagner reconheceu que político quer é “foto com o presidente”.

Em um lampejo de lucidez, Randolfe, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, recomendou foco na economia. Ao que tudo indica, um conselho vão. Na semana da pretensa concertação, a tensão aumentou e contaminou pautas relevantes, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, visitava o papa.

A votação no Senado da “taxação das blusinhas”, que mira compras de até US$ 50 em plataformas asiáticas, foi ameaçada por uma disputa paroquial em Alagoas e estremeceu ainda mais a já abalada relação do governo Lula da Silva com Arthur Lira, que foi surpreendido pela retirada “do jabuti” do projeto do Mover. Lira chegou a colocar em dúvida a aprovação do programa de estímulo à indústria automotiva. Ao fim, a taxação foi aprovada e voltou para a Câmara – agora, aguardam-se os próximos capítulos.

A medida provisória (MP) editada para compensar a desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores da economia e de prefeituras, com a limitação do uso de crédito de PIS/Cofins, já enfrenta resistência. Alguém achou por bem não consultar previamente as lideranças no Legislativo. Deu no que deu. Nada menos do que 27 frentes parlamentares pediram ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a devolução da MP, o que tornaria evidente o mal-estar entre os Poderes.

Diálogo e afagos à parte, fato é que, nos últimos anos, a correlação de forças mudou. O Congresso aumentou o controle sobre o Orçamento, com o avanço sobre as emendas, e há quem tenha anunciado o funeral do presidencialismo de coalizão. O fato, no entanto, é que o presidencialismo de coalizão só funciona se houver vontade e habilidade do presidente para formar uma coalizão, como fez Michel Temer ao governar o País em meio ao tumulto pós-impeachment de Dilma Rousseff. Como bem lembrou o cientista político Carlos Pereira em recente coluna no Estadão, “os insucessos legislativos de presidentes estão, na realidade, relacionados às suas escolhas de como montar e gerenciar sua coalizão”.

Cabe ao presidente o gerenciamento de sua base, a partilha de poder e a abertura ao diálogo. Só discurso não basta. Para isso, porém, seria necessário superar o projeto hegemônico do PT, cuja tradicional predominância nas áreas mais sensíveis do governo é inversamente proporcional à sua capacidade de agregar apoio parlamentar. E isso Lula jamais fará.