Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A virtude da normalidade

O apoio do comandante do Exército ao Supremo Tribunal Federal é um bem-vindo recado para os quartéis

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

O comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, deu uma inestimável contribuição à normalidade democrática ao manifestar-se favoravelmente à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que formou maioria contra o suposto papel de “poder moderador” das Forças Armadas em situações de crise institucional. Questionado em entrevista se estava de acordo com o voto dado até aqui por ministros da mais alta Corte do País, ele respondeu: “Totalmente. Não há novidade para nós. Quem interpreta a Constituição em última instância é o STF e isso já estava consolidado como o entendimento”.

Em breves palavras, o general cumpriu o que se espera de qualquer democrata, seja ele militar ou civil: defendeu a Constituição, reconheceu a instituição que tem a missão de interpretá-la e resguardou as Forças Armadas de qualquer outra interpretação fabricada pelo cinismo golpista dos últimos anos.

Assim como ministros do Supremo se viram perplexos ao precisar dedicar tempo e esforço para demonstrar algo elementar, não deixa de ser surpreendente que a declaração do general Tomás Paiva precise de reconhecimento e aplauso ao reafirmar obviedade igual. Mas convém lembrar a singularidade das circunstâncias: era necessário afastar de uma vez por todas o fantasma do “poder moderador” que extremistas tentaram emplacar, intoxicados por anos de fumaça bolsonarista.

A maioria do STF deixou evidente que nem o Supremo nem o presidente da República podem ser qualificados como “poderes moderadores”. Muito menos as Forças Armadas, nem sequer configuradas como Poder como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Do mesmo modo, o chefe do Executivo tem prerrogativas limitadas, sem que a ele seja concedido o direito de recorrer às Forças Armadas para barrar a independência dos demais Poderes. A doutrina de que militares estariam constitucionalmente autorizados a intervir para arbitrar conflitos institucionais só existiu mesmo na cabeça de golpistas. Como sustentou o ministro Gilmar Mendes no seu voto, a hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição.

O general Tomás Paiva sabe disso. Sabe também que as Forças Armadas estiveram engolfadas por esse fantasma, e que ainda há nelas uma pletora de infiltrados dispostos a ressuscitá-lo. Ele próprio – assim como outros legalistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – foi vítima de ataques ferozes vindos dos quartéis e de militares instalados no Palácio do Planalto de Jair Bolsonaro. Num dos diálogos mencionados nas investigações sobre a suposta articulação do ex-presidente pela anulação das eleições, Tomás Paiva é duramente criticado por se opor à tentativa de golpe.

O oportuno recado do general emite sinais, portanto, para fora e para dentro dos quartéis, além de servir de importante premissa para o longo trabalho de despolitização das Forças Armadas. E demonstra que há situações nas quais a virtude da normalidade significa também uma excepcionalidade, como lenitivo a nos proteger de riscos institucionais. É este o caso.