Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Alertas de desequilíbrio fiscal

Cerca de 90% das prefeituras paulistas foram advertidas pelo Tribunal de Contas do Estado, sinal preocupante dos maiores PIBs para o País e seus mais de 5 mil municípios

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Algo está muito errado quando quase 90% dos 644 municípios paulistas recebem do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) alertas de desenquadramento fiscal e indícios de irregularidades na gestão orçamentária, como foi relatado em recente reportagem do Estadão sobre as contas de 2023. O quadro parece ainda pior quando se constata que, das oito cidades onde foram identificados os maiores níveis de comprometimento da receita com despesas correntes, seis estão na lista das dez maiores economias de São Paulo, o Estado mais rico do País.

E como nada é tão ruim que não possa piorar, o portal do TCE-SP mostra que essa é uma situação recorrente. Das 567 prefeituras que apresentavam indícios de irregularidades em relação ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de acordo com o relatório bimestral divulgado em dezembro do ano passado, 556 eram reincidentes. Somente 11 municípios, ou seja, menos de 2% do total, estavam em situação regular, sem necessidade de publicação de nenhum alerta.

Ora, mesmo considerando que obrigações constitucionais, como as despesas obrigatórias com Saúde e Educação, muitas vezes engessam os já escassos orçamentos municipais, é inequívoco o sinal emitido pelo TCE-SP de que há uma dificuldade grave e generalizada de administração nas prefeituras paulistas. Não são poucas as cidades que receberam, ao longo de 2023, mais de 20 avisos e encontram-se em alerta vermelho.

Com 99,33% de suas receitas comprometidas com despesas correntes, São José dos Campos, que figura em primeiro lugar na lista de cidades em situação irregular, é uma dessas cidades. O município tem o nono maior PIB entre as cidades paulistas e, no entanto, recebeu 20 avisos, ao longo do ano passado, de que o comprometimento da receita com despesas correntes havia passado de 85%.

O caso é apenas um exemplo a ilustrar a situação preocupante dos entes subnacionais. Poderia ser citado Guarulhos, o terceiro maior PIB paulistano (atrás somente da capital e de Osasco), que também foi advertido sobre irregularidades. Por isso é plausível deduzir que, se a conjuntura atual é essa em cidades relativamente abastadas, a situação deve estar bem pior na maioria dos municípios brasileiros, boa parte dos quais incapaz de andar com as próprias pernas.

O bom senso não permite imaginar que a quase totalidade das cidades paulistas esteja a ponto de ter suas contas reprovadas e de ver seus prefeitos acusados de improbidade administrativa e crime de responsabilidade, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas o quadro não permite condescendência, especialmente quando se recorda que um dos fatores que mais pesaram na alta inflacionária dos anos 80 foi justamente a precariedade das contas estaduais.

Em vigor desde 2000, criada justamente para ajudar a disciplinar a administração de recursos públicos e manter a estabilidade da economia duramente conquistada, a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga os Tribunais de Contas a emitirem periodicamente relatórios com alertas específicos quando verificadas situações que possam levar a desequilíbrios, tais como descumprimento de metas fiscais, gasto excessivo com pessoal e comprometimento financeiro inadequado.

Uma boa política fiscal é aquela que, ao final das contas, consegue equilibrar minimamente gastos e arrecadação e que contribui para reduzir desigualdades econômicas entre setores e entre cidadãos. A estabilidade conduzida por uma gestão fiscal eficiente, além de controlar a inflação, protege contra a recessão e o desemprego. O exemplo fiscal deve vir de cima, do governo federal, e se espalhar pelos demais entes federativos.

Não é o que o País vem presenciando. União, Estados e municípios flertam perigosamente com práticas sabidamente reprováveis, como o aumento imprudente de despesas. Ou, de outro lado, apelando a medidas populistas que contribuem para esvaziar os cofres públicos.

Em que pesem as questões particulares de cada município, não há como encarar situações em que o déficit fiscal se espalha de forma indiscriminada por administrações tão distintas sem considerar que há um problema estrutural que pede solução duradoura.