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Às cegas diante da epidemia

Saúde corta verba de propaganda contra a dengue quando a população teria de se preparar

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Por Notas & Informações
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Na contramão dos alertas sobre a escalada da dengue no País, o Ministério da Saúde enxugou para R$ 13,1 milhões a verba para campanhas publicitárias de conscientização e prevenção da doença ao longo de 2023. Não se sabe exatamente quanto dessa cifra sobrou para o fim daquele ano, quando a sensibilização massiva dos cidadãos para impedir a proliferação do mosquito Aedes aegypti seria indispensável para a contenção da epidemia em 2024. Sabe-se, isto sim, que o total foi bem menor do que o destinado nos últimos anos da gestão de Jair Bolsonaro, notória pelo negacionismo em questões de saúde pública, e isso num momento em que a epidemia já havia sido amplamente anunciada.

Com base em dados do Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal (Sicom), reportagem do Estadão apontou a redução de 58,5% nos recursos para a campanha contra a dengue em 2023, em comparação com o ano anterior. Houve correta prioridade da ministra da Saúde, Nísia Trindade, em investir em propagandas de estímulo à vacinação, mas, do ponto de vista sanitário, causa estranheza o critério da pasta de conceder mais recursos à comunicação sobre o programa Farmácia Popular do que ao combate a uma epidemia aguardada a cada verão.

No segundo semestre de 2023, o Ministério da Saúde dispunha de argumentos sólidos e tempo hábil para solicitar verba extraordinária para uma vigorosa campanha de prevenção da epidemia. Orientar insistentemente a população a destruir potenciais focos de proliferação do mosquito da dengue, entre outras medidas, não seria trivial diante do contexto de escassez de imunizantes. Se pediu a verba ou se foi negada pela equipe econômica do governo, a pasta não informou até o momento. Certo é que não houve disseminação exaustiva de peças publicitárias para mobilizar os brasileiros antes de a epidemia consolidar-se no País.

Causa impressão a omissão do Ministério da Saúde mesmo depois de ter reconhecido, em nota de novembro de 2023, a “possibilidade de uma epidemia (de dengue) maiores proporções que as documentadas na série histórica do País”. O texto reproduziu alertas emitidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A pasta estava ciente, na ocasião, sobre a estimativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de um recorde de 2,2 milhões de infectados neste ano – já defasado pelos atuais 3 milhões de prováveis casos da doença.

Não se pode atribuir o quadro preocupante da epidemia no Brasil exclusivamente à falha de comunicação que levou a população a ser pega de calças curtas pela dengue. Tampouco ao inexplicável fato de a secretária responsável pelo enfrentamento à dengue, Ethel Maciel, ter saído de férias em janeiro, em plena crise sanitária. Mas é preciso considerar o indiscutível impacto de tais negligências e cobrar a devida responsabilidade do Ministério da Saúde.