Imagem ex-librisOpinião do Estadão

As contradições de um governo gastador

Mais do que cobrar responsabilidade fiscal do Legislativo, o governo precisa cortar seus próprios gastos e apostar no caminho da boa política para solucionar impasses com o Congresso

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
2 min de leitura

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o Congresso Nacional também precisa ter responsabilidade fiscal. A cobrança foi uma resposta à péssima – e previsível – reação dos parlamentares à desastrada ação do governo no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios.

Para o ministro, o mais recente capítulo dessa novela expõe uma relação desequilibrada entre os Poderes, na qual o Executivo teria de assumir o ônus da austeridade sozinho, enquanto o Congresso estaria livre para criar despesas ou renunciar a receitas sem ter a obrigação de compensá-las. “Virou um parlamentarismo que, se der errado, não dissolve o Parlamento, e sim a Presidência da República, e chama o vice”, disse Haddad, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

Haddad até tem alguma razão no diagnóstico. De fato, quando a meta fiscal deixa de ser cumprida, a culpa recai majoritariamente sobre o presidente da República, ainda que o Legislativo também tenha sua parcela de contribuição no resultado, sobretudo em razão das emendas parlamentares e do fundo eleitoral.

Caberia, no entanto, uma dose de autocrítica por parte do governo para que o Legislativo não fizesse ouvidos moucos ao apelo de Haddad. Com que autoridade o governo se sente à vontade para cobrar alguma austeridade do Congresso semanas depois de pedir ao mesmo Congresso autorização para gastar R$ 15 bilhões a mais neste ano e de anunciar a mudança, para pior, das metas fiscais de 2025 e 2026?

No caso específico da desoneração da folha de pagamento, seria de bom-tom que o governo tivesse humildade para reconhecer o custo da prepotência de se ausentar do debate com o Legislativo enquanto ele ocorria. Não é segredo que Lula da Silva não tenha maioria na Câmara e no Senado, mas onde estavam seus representantes quando os setores se articulavam pela extensão do benefício e a política era aprovada em sessões públicas na Câmara e no Senado?

O veto presidencial à desoneração e a publicação de uma medida provisória anulando a proposta aprovada pelo Legislativo no apagar das luzes de 2023 já haviam sido mal recebidos, mas a ação apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao STF foi uma verdadeira declaração de guerra à política. A rapidez com que o ministro Cristiano Zanin concedeu a liminar bem como os quatro votos favoráveis que sua decisão já recebeu mostram que o governo não terá pudor em fazer uso da aliança com o STF para emparedar o Congresso.

É verdade que o Legislativo conquistou um poder crescente e até desproporcional para definir como parte do Orçamento deve ser gasta na forma de emendas, mas também é fato que o Congresso aprovou toda a agenda econômica defendida por um governo que não detém maioria no Legislativo. Ainda que essas medidas tenham sido parcialmente desidratadas, elas foram fundamentais para garantir um impulso à arrecadação no primeiro trimestre, e é nela que o governo se agarra para alcançar a meta fiscal deste ano.

Nesse sentido, a reação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é absolutamente compreensível. “Uma coisa é ter responsabilidade fiscal, outra bem diferente é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil”, afirmou, em resposta ao ministro Haddad.

Mais do que cobrar o Legislativo, é papel do governo dar o exemplo e tomar a iniciativa de cortar seus gastos. Em paralelo, é prudente não acirrar ainda mais os ânimos e voltar a apostar no caminho da boa política. Ainda que o governo vença a batalha da desoneração com o apoio do Judiciário, esse episódio terá consequências nefastas nas relações entre os Poderes.

O Legislativo certamente vai reagir com iniciativas para podar o poder do Judiciário e será pouco receptivo a qualquer outra iniciativa enviada pelo Executivo ao Congresso, o que é especialmente grave no momento em que os parlamentares se preparam para regulamentar a reforma tributária. Não será dessa maneira que o equilíbrio entre os Poderes será restabelecido.