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As duas lutas da Educação

As escolas brasileiras têm o duplo desafio de elevar os níveis de aprendizagem nas disciplinas tradicionais e de investir no desenvolvimento de competências socioemocionais

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Por Notas & Informações
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Não bastasse o desafio de elevar, e muito, o nível de aprendizagem das disciplinas tradicionais, como língua portuguesa e matemática, a educação brasileira precisa avançar em outra frente tão ou mais complexa: a das chamadas competências socioemocionais. O conceito é amplo e engloba habilidades variadas, que vão desde autonomia e capacidade de trabalhar em equipe até empatia e tolerância. Tais características, cada vez mais, são exigidas pelo mercado de trabalho em um mundo onde as inovações tecnológicas transformam empregos e relações humanas em velocidade crescente. Sim, é dever da escola ir além do desenvolvimento cognitivo.

A questão, claro, é como fazer isso na prática, considerando que o Brasil enfrenta déficits históricos de aprendizagem − agravados, nos últimos anos, pelo fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19. Em recente entrevista ao Valor, a psicóloga e presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, comparou a situação do País à de um espadachim que deve travar duas lutas simultaneamente. De um lado, observou ela, a educação brasileira precisa superar desafios que já deveriam ter sido vencidos no século passado: é o caso da alfabetização das crianças e do ensino de matemática ou de pensamento lógico. De outro, as escolas têm de dar conta da formação dos alunos para o século 21. Aí entram as habilidades socioemocionais.

Não se trata, em hipótese alguma, de diminuir a ênfase nas disciplinas tradicionais. Por óbvio, é dever da escola assegurar que as crianças aprendam a ler e a escrever, a fazer contas e a raciocinar, adquirindo conhecimentos sobre a vida, a sociedade e o mundo. A questão, como bem destacou Viviane Senna, é que isso “deixou de ser a linha de chegada e agora é apenas a largada”. Ou seja, a educação tem que ir além do currículo tradicional. Não por modismo ou capricho, mas por uma imposição da realidade. Vale reproduzir um exemplo citado pela presidente do Instituto Ayrton Senna: no Japão, crianças nas turmas de educação infantil recebem brinquedos exageradamente grandes, de modo que precisem umas das outras para conseguir brincar. O objetivo, desde cedo, é estimular atitudes de colaboração.

No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enfatiza a importância das habilidades socioemocionais. Entre as dez competências gerais a serem desenvolvidas por todos os alunos da educação básica, há menções a “empatia”, “diálogo”, “resolução de conflitos”, “cooperação”, “respeito ao outro”, “flexibilidade” e “determinação”. A BNCC, documento que serve de referência para os currículos, preconiza também que os estudantes sejam capazes de tomar decisões a partir de “princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”.

Fica evidente que as competências socioemocionais atendem a diferentes propósitos. Servem tanto para aumentar as chances de êxito dos jovens em sua futura carreira profissional quanto para reduzir a violência nas escolas. Ou mesmo para a construção de uma cultura de paz na sociedade, fortalecendo valores como o respeito pelo outro, algo que, infelizmente, anda em falta no País. Por ocasião do segundo turno das eleições presidenciais, colégios particulares em diferentes cidades registraram manifestações inaceitáveis de racismo, nazismo e ódio por parte de estudantes descontentes com o resultado das urnas. A esse propósito, como lembrou a colunista do Estadão Rosely Sayão, é tarefa concomitante da família e da escola contribuir para os processos de autonomia e socialização dos alunos. Maior ênfase às competências socioemocionais, nas salas de aula do Brasil inteiro, bem que poderia ajudar.

Viviane Senna mencionou outro argumento para que as escolas abracem as competências socioemocionais: quando bem trabalhadas, elas favorecem o aprendizado das disciplinas tradicionais. Simples assim: alunos motivados aprendem mais. Como o espadachim evocado acima, é hora de encarar os dois desafios simultaneamente. A educação só tem a ganhar.