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Baixar os juros não é tão simples

Recuo da inflação sugere que há espaço para reduzir a taxa básica, mas BC ainda está reticente, pois o governo precisa dar sinais mais claros de compromisso com equilíbrio fiscal

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Por Notas & Informações
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A inflação brasileira mostra tendência de desaceleração, segundo indicam os números oficiais e também as previsões de economistas. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi em março de 4,65% em termos anuais, o que significa que voltou a ficar dentro da meta oficial considerando-se a margem de tolerância, que vai de 1,75% a 4,75%. Além disso, a primeira prévia deste mês de abril do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) teve a maior queda desde o Plano Real: houve deflação desse outro indicador de 0,90% e em 12 meses o índice está agora apresentando uma queda de 2,12%.

Isso certamente deve aumentar a pressão sobre o Banco Central (BC) para reduzir os juros, como cobra, todos os dias, o presidente Lula da Silva. Afinal, os juros foram elevados e mantidos nesse patamar em razão de uma perspectiva de alta da inflação. Mas a coisa não é tão simples quanto Lula gostaria.

Para que os juros sejam reduzidos, não basta que as projeções indiquem o recuo da inflação. A decisão sobre o nível da taxa básica depende de outros fatores, em especial do compromisso do governo com o equilíbrio fiscal. E isso ainda não está muito claro, a despeito do entusiasmo de muitos com o novo regime fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

É de todo desejável que os juros caiam. Na sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve em 13,75% a taxa Selic, que serve de base para a definição de juros no País. É a segunda taxa nominal mais elevada do mundo, só perdendo para os juros estratosféricos reinantes na combalida Argentina.

São consistentes os sinais de aperto no crédito, e já há quem veja uma crise mais grave avizinhando-se. Empreendedores em geral, grandes e pequenos, se queixam de que não conseguem financiamento a um custo que não seja proibitivo. A inadimplência dos consumidores segue muito alta. Todas as projeções sobre o desempenho da economia brasileira sugerem um cenário de baixo crescimento neste e nos próximos anos. Para um país que está estagnado há mais de uma década, não é algo aceitável.

Se os juros altos são causa principal dessa perspectiva sombria, são também consequência da tolerância do governo à inflação, que não é de hoje: na gestão de Jair Bolsonaro, a inflação turbinou as receitas do Tesouro, ajudando a melhorar as contas, enquanto esfolava os pobres e a classe média; o governo de Dilma Rousseff, por sua vez, deu de ombros à inflação ao proclamar que “gasto é vida”, fazendo da irresponsabilidade fiscal sua estratégia de crescimento – o resultado, todos sabem, foi a pior recessão da história nacional. Como Lula da Silva não renegou Dilma, isto é, não reconheceu o desastre de sua pupila, é natural que a autoridade monetária ainda desconfie da disposição do atual governo de restabelecer a racionalidade na administração das contas públicas, a despeito dos genuínos esforços do ministro Haddad.

O Banco Central, como tem enfatizado seu presidente, Roberto Campos Neto, considera que a queda da inflação em março é apenas um dado a mais a ser levado em consideração nas decisões sobre a taxa Selic. Em conversas durante a assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, comparou a taxa Selic a um tratamento com antibiótico aplicado ao paciente – a economia brasileira. “Se você parar no meio do tratamento só porque você tem os primeiros sintomas mais positivos, você pode perder todo o efeito”, disse.

O BC tem deixado claro em seus comunicados após as reuniões do Copom que prefere olhar para os dados no âmbito de um “horizonte relevante”. Ou para citar o texto do comunicado, “o Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente. (….) O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”.

Trocando em miúdos, a bola está com o governo, que deve mostrar respeito pelos fundamentos econômicos, sem flertar com experiências heterodoxas e populistas que, a título de impulsionar o desenvolvimento do País, ameaçam condená-lo de vez à mediocridade.