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Barricadas contra o diálogo

Ao valerem-se de piquetes, estudantes em greve na USP agridem o direito de docentes e colegas, extrapolam o espírito de liberdade da universidade e afrontam a história da instituição

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Por Notas & Informações
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A Universidade de São Paulo (USP) tornou-se alvo de uma greve de uma parcela de estudantes indignados e prejudicados pela perda de mais de 800 professores nos últimos nove anos. Nada mais justo que se cobre eficiência do ensino de uma instituição mantida pelos contribuintes paulistas. Porém, ao levantar barricadas nas escolas da USP, inclusive no “território livre” da Faculdade de Direito, os alunos extrapolaram a essência da vida universitária e da cidadania em um Estado Democrático de Direito. Abandonaram o diálogo para aderir à agressão.

Universidades são, por natureza, espaços livres de difusão do conhecimento, do estímulo ao pensamento crítico e do debate respeitoso de ideias. O convívio em seus campi pressupõe perseverança no diálogo, conduzido sob argumentação fundamentada e racional. Tal princípio obviamente não presume nenhuma forma de violência, interna ou externa. Quando optaram por impedir professores de ministrar aulas e colegas de assistir a elas presencialmente, os grevistas escolheram o caminho da força em detrimento da razão.

O movimento levou a direção de faculdades da USP a suspender temporariamente as aulas. Porém, barricadas foram montadas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e em outras unidades, sob a conivência dos docentes que aderiram à greve. Nas Arcadas do Largo de São Francisco, onde há pouco mais de um ano houve comovente ato em defesa da democracia contra os arreganhos bolsonaristas, o professor titular de Direito Financeiro Fernando Scaff foi barrado por estudantes, como reportou o Estadão. “São alunos de Direito impedindo um direito fundamental, de ir e vir”, constatou.

Não há dúvidas sobre a relevância da pauta de reivindicações. A USP perdeu 818 acadêmicos entre 2014 e 2023, algo em torno de 15% de seu corpo docente, enquanto manteve constante seu total de alunos. O período para a graduação foi postergado pela ausência de professores para ministrar disciplinas, e cursos como o de línguas japonesa e coreana acabaram cancelados pela mesma razão.

A demanda pela elevação do valor das bolsas para os estudantes de baixa renda, em uma universidade cujo acesso deve se expandir e diversificar cada vez mais, tem mérito. Da mesma forma, há consistência na reivindicação por melhorias no Hospital Universitário, acrescentada pelos alunos da Faculdade de Medicina. Tais pautas não são refutadas, mas endossadas pelo reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, que se recusou a responder com força policial a um movimento que se vale da força das barricadas. Suas ponderações e pedidos de paciência, porém, não tiveram a repercussão esperada na mais recente tentativa de diálogo.

A rigor, a USP não pode ser acusada de negligência. A universidade enfrenta crise financeira há anos, refletida em uma folha de pagamentos equivalente à maior parte de sua receita, advinda de parte da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). À situação fiscal somou-se a suspensão de contratações durante a pandemia. Uma vez reaberta, a absorção de novos professores deve seguir regras protocolares, e não há alternativa expedita senão a absorção de docentes temporários – outra queixa dos estudantes.

O reitor Carlotti prometeu repor todas as 818 vagas em aberto até o fim de 2024. Não há dúvidas sobre o longo período. Mas, em se tratando de uma instituição pública ciosa de sua liberdade de cátedra e imbuída de seus princípios de responsabilidade, tampouco pode haver improvisos. Não foi por acaso, mas reflexo de sua integridade e sua produção acadêmica, a recente inserção da USP entre as 100 melhores universidades do mundo em dois rankings internacionais.

A agressividade do movimento estudantil não condiz com os 89 anos de uma instituição de excelência no ensino superior e na pesquisa científica ao desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Barricadas e agressões verbais e virtuais não fazem sentido quando se dão em uma casa onde imperam a liberdade e o diálogo. “Prefiro pensar a USP como uma universidade que defende a liberdade, até de divergir, mas conversando”, ponderou o reitor Carlotti ao Estadão. “Formamos os nossos alunos para que sejam críticos, mas esse tipo de movimento, que usa a força, não cabe dentro da USP.”