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Boas práticas anticorrupção

Dados comprovam o bom senso: para os sintomas da corrupção, o melhor remédio é a pressão popular por mais Estado de Direito; para a sua causa, o desenvolvimento socioeconômico

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Por Notas & Informações
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Sejam lá quais forem os questionamentos que se possam fazer em relação à metodologia do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional e sejam lá quais tenham sido os impactos e usos políticos da última edição, que constatou um declínio da trajetória já medíocre do Brasil, dois fatos permanecem: o IPC é o mais reputado indicador de percepção da corrupção e a corrupção está entre as maiores preocupações dos brasileiros. Segundo a pesquisa Atlas Intel publicada no início do mês, entre os maiores problemas do País, a corrupção é o segundo mais citado (57%), só atrás do crime organizado (59%), ambos bem acima do terceiro colocado: pobreza, desemprego e desigualdade (19%). Desde novembro, as menções à corrupção aumentaram sete pontos porcentuais.

Assim, antes de matar o mensageiro, as autoridades deveriam utilizar indicadores como o IPC e outros para diagnosticar as causas da corrupção e buscar a sua cura.

Comparando-se os países do topo e da base, há uma evidente correlação entre corrupção e desenvolvimento socioeconômico. A corrupção tende a ser menor em países mais ricos, em economias baseadas no conhecimento e em sociedades mais tolerantes, plurais e democráticas. As evidências comprovam o que é intuitivo: o meio mais eficaz de combate à corrupção é desenvolver o capital humano para alavancar o crescimento econômico e fortalecer a democracia.

Mas, se esses fatores são determinantes, não são definitivos. Há países em condições similares às do Brasil, como Chile ou Uruguai, muito menos corruptos há décadas. E há outros em condições piores que evoluíram mais vigorosamente. Exemplos clássicos de progresso rápido e sustentável incluem Hong Kong, Cingapura, Libéria, Georgia, Botswana, Estônia e Coreia do Sul.

O caso da Coreia do Sul é particularmente elucidativo. Segundo o IPC, no final da década de 90, o país tinha índices similares aos do Brasil (na faixa dos 30-40 pontos, de 0 a 100). Hoje tem índices similares aos do Chile (60-70 pontos). A evolução é corroborada por outros levantamentos.

Embora a Coreia seja considerada hoje um país desenvolvido, a transição foi relativamente recente. Como o Brasil, ela cresceu rapidamente nos anos 60 e 70 sob ações governamentais de um Estado autoritário e se consolidou como uma democracia nos anos 80. E, como no Brasil, a sociedade coreana era, e em certa medida ainda é, dividida em redes de confiança agrupadas em torno de indivíduos poderosos que competem por influência, poder, empregos e recursos públicos – em outras palavras, o capitalismo de compadrio.

Apesar de reformas ambiciosas para conter o clientelismo e promover a transparência e a responsabilização na governança corporativa, a corrupção política e empresarial ainda se faz sentir. No entanto, outras reformas se mostraram bastante bem-sucedidas.

A prioridade em um processo meritocrático de recrutamento e promoção dos servidores é consensualmente considerada um fator decisivo na redução da corrupção coreana, especialmente na administração pública. A transparência e a abertura do governo foram fortalecidas por uma série de leis, especialmente rigorosas em relação à transparência do orçamento e das compras e procedimentos governamentais. Essa dinâmica foi turbinada por massivos investimentos em plataformas digitais facilmente acessíveis ao público. A Coreia tem hoje um dos maiores sistemas de licitação digital do mundo, o que ajuda a fiscalizar e excluir empresas corruptas.

Mas na Coreia, como em outros casos, a precondição do sucesso foi algum nível de liderança e vontade política de enfrentar a corrupção. A pressão da sociedade civil, por sua vez, foi decisiva para estimular essa vontade política. A comparação internacional mostra que, no combate aos sintomas da corrupção, um Judiciário e um funcionalismo autônomos, eficientes e meritocráticos, assim como a transparência e a participação popular na definição de políticas e gastos públicos, são os melhores remédios. Quanto à causa da corrupção, a melhor cura é o crescimento socioeconômico.