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Cativeiro eleitoral

Troca de comando do BNB se presta a favorecer o Centrão e Bolsonaro na eleição de 2022

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Por Notas & Informações
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O episódio da demissão de Romildo Carneiro Rolim da presidência do Banco do Nordeste (BNB) revela como o presidente Jair Bolsonaro é figura acessória em um governo de facto exercido pelo Centrão. Por sua vez, a razão que motivou a troca do presidente do banco de economia mista exemplifica como políticas públicas, como o programa de microcrédito do BNB, o Crediamigo, são corriqueiramente instrumentalizadas a fim de produzir uma espécie de cativeiro eleitoral em todo o País, particularmente na Região Nordeste, historicamente a mais dependente dessas políticas por concentrar os piores indicadores de pobreza do País.

Desde a redemocratização, todos os presidentes da República tiveram que governar com o Centrão, dividindo mais ou menos poder com o Legislativo, a depender da força política do mandatário. Com Bolsonaro na Presidência, o notório bloco parlamentar vislumbrou a oportunidade de atingir um grau de protagonismo que, até então, jamais experimentara. Bolsonaro, não é de hoje, já não dá um passo sem a anuência do grupo a quem diz ter entregado a “alma” de seu governo. Contribuem para esse novo arranjo, em que é o Centrão quem dá a palavra final, a aversão do presidente ao trabalho, a falta de uma agenda programática a ser defendida pelo Executivo no Congresso, a incapacidade de Bolsonaro para construir uma sólida base parlamentar e a fraqueza política do presidente em virtude do aumento consistente de seus índices de impopularidade. Tudo isso somado torna Bolsonaro vulnerável como nenhum outro antes dele às pressões de um grupo político cujo atributo mais notável é a enorme capacidade de parasitar cada célula de um governante fraco.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, o presidente nacional do PL, o multicondenado Valdemar Costa Neto, prócer do Centrão, mostrou-se “surpreendido” com uma mensagem de Bolsonaro questionando-o a respeito de “irregularidades” no contrato firmado em 2003 entre o BNB e uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) para gerir o programa Crediamigo, no valor de cerca de R$ 600 milhões por ano. Costa Neto foi “cobrado” por Bolsonaro porque a indicação dos presidentes do banco de desenvolvimento regional cabe ao PL no arranjo entre os partidos para nomeações para cargos em estatais e bancos públicos.

Ao que tudo indica, essa “cobrança” de Bolsonaro ao chefão do PL foi o pretexto para que Costa Neto pedisse a demissão de Romildo Rolim, que se mostrava avesso à ideia de uma nova licitação para a administração do contrato de gestão do programa Crediamigo. Com ele, caiu toda a cúpula do BNB. Um novo contrato para gestão do bilionário programa de microcrédito atende tanto o PL, de olho nas eleições de 2022, como Bolsonaro, que enfrenta forte resistência à sua reeleição nos Estados da Região Nordeste. Ademais, a ONG que hoje administra o programa, o Instituto Nordeste Cidadania (Inec), é ligada ao PT, o que alimenta os temores de Bolsonaro de que a manutenção da parceria fortaleça seu principal adversário na eleição presidencial do ano que vem até o momento, o ex-presidente Lula da Silva.

A reportagem do Estado ouviu diferentes fontes políticas e econômicas com experiência na administração do BNB. Todas afirmaram que nada há de concreto a indicar que haja corrupção, desvios ou má gestão na execução do contrato, mesmo passando por escrutínios os mais diversos ao longo dos 18 anos da parceria entre BNB e Inec.

Fica claro, portanto, que a ligação do Inec com o PT foi o argumento usado para convencer Bolsonaro a trocar o comando do BNB e, assim, permitir ao PL e ao Centrão instalar no banco uma diretoria favorável a uma nova licitação do programa de microcrédito, que tem enorme potencial eleitoral. O primeiro ato do presidente interino do banco, Anderson Possa, foi abrir a licitação à qual seu antecessor se opunha. Possa recebeu um telefonema de Bolsonaro no fim de semana. “Bota moral aí”, determinou o presidente.